A Travessa das Mercês, que une a Rua da Atalaia à Rua de O Século, perpetua em Lisboa a memória da Capela de Nossa Senhora das Mercês, a primeira onde nasceu a paróquia lisboeta das Mercês, erguida na esquina desta Travessa com a Rua Formosa [Rua de O Século] e onde foi batizado o Marquês de Pombal (em 6 de junho de 1699), tal como o seu túmulo aí permaneceu até ser transladado em 1923 para a Igreja da Memória.
A «traveça das Merces» já surge como topónimo na planta da «Freguezia de N. Sª das Merces» após a remodelação paroquial de 1770. Segundo o olisipógrafo Júlio de Castilho, na Rua Formosa, entre as Travessas dos Fiéis de Deus e das Mercês, existiu até 1672 um Recolhimento de mulheres com a invocação de Nossa Senhora das Mercês, fruto do Alvará Régio de D. Filipe III de 23 de dezembro de 1623. Foi neste lugar, ou próximo, que se criou o orago da paróquia da Nossa Senhora das Mercês em 1 de dezembro 1632, desanexada que foi da administração territorial do Loreto e de Santa Catarina, tendo inicialmente funcionado, em termos físicos, na Ermida da Ascensão de Cristo, na Calçada do Combro.
Depois, em 25 de novembro de 1651, o padroado da Igreja Paroquial das Mercês foi doado pelo Cabido a Paulo de Carvalho, Desembargador do Paço e tio do Marquês de Pombal, que a transferiu para a sua Ermida da Rua Formosa, estabelecendo-a como Cabeça de Morgado. Em 23 de setembro de 1679, a viúva do Desembargador Paulo de Carvalho conseguiu licença do Arcebispo D. Luís de Sousa para se restituir o Santíssimo Sacramento da Paróquia das Mercês à Igreja de Nossa Senhora das Mercês, vindo da Igreja Velha dos Padres Ingleses, o que pode indicar que se concluíram neste ano as obras de reedificação referidas.
Contudo, esta paroquial de Nª Srª das Mercês sofreu danos com o terremoto de 1755 e voltou a ser instalada na Ermida da Ascensão de Cristo e Nª Srª do Amparo, durante quase dois anos, voltando a paroquial para a igreja reparada em 22 de maio de 1757. No século seguinte, em 26 de abril de 1835, a paróquia das Mercês sediada nesta Capela das Mercês foi transferida em definitivo para a Igreja do Convento de Nossa Senhora de Jesus, no Largo de Jesus, sendo a antiga Igreja entregue aos familiares do Marquês de Pombal.
Já no século XX, sabemos que em 1900 estavam estabelecidas na antiga Capela das Mercês as freiras Mères rèparatrices de Marie. Na década de quarenta a igreja foi desmantelada e o edifício adaptado para habitação e comércio. Em 28 de abril de 1942 foi vendido a um particular que por sua vez arrendou o rés-do-chão ao Comando da Polícia Cívica, passando depois e até há pouco tempo a ser a conhecida esquadra das Mercês – Bairro Alto, da Polícia de Segurança Pública.
Refira-se que a devoção à Senhora das Mercês é bastante antiga em Portugal, tendo sido introduzida nos séculos XIV e XV pelos castelhanos Frades Mercedários, em Merceana e na região de Alenquer. No século XVIII, a forte devoção de Sebastião José de Carvalho e Melo pela Senhora das Mercês, de acordo com a sua tradição familiar, reforçou a base de implantação deste orago um pouco por toda a região de Lisboa.
Finalmente, recordamos que no espaço entre a Travessa das Mercês, a Rua Luz Soriano e a Rua dos Caetanos ficava o antigo Cemitério das Mercês, onde foram sepultados, como recorda Norberto de Araújo, os poetas Bocage e Nicolau Tolentino, tendo sido todas as ossadas removidas em 1897 para os cemitérios dos Prazeres e do Alto de São João.