O Terreiro do Paço antes do Terramoto e a nova Praça do Comércio após

O Terreiro do Paço antes do Paço da Ribeira de D. Manuel I

O Terreiro do Paço desapareceu com o Terramoto de 1 de novembro de 1755 e nesse espaço nasceu a nova Praça do Comércio, construída graças ao finamento dos comerciantes de Lisboa para a reconstrução da Baixa, de tal forma que se justificou que fossem homenageados como topónimo dessa Praça central da Baixa toda construída de novo.

Todavia, a Praça do Comércio deve ser o topónimo lisboeta que mais vezes vê o seu topónimo oficial trocado por um topónimo tradicional – Terreiro do Paço -, mesmo que já estejam passados mais de 250 anos sobre a sua atribuição feita pelo 1º decreto de toponímia de Lisboa, assinado por D. José I, com a data de 5 de novembro de 1760, materializando a homenagem aos comerciantes de Lisboa que voluntariamente cederam 4% sobre os direitos alfandegários de todas as mercadorias para a reconstrução da cidade.

Antes do Terramoto é que existiu  o Terreiro do Paço, topónimo feito por referência ao Paço Real da Ribeira, mandado erguer por D. Manuel entre 1500 e 1505, que formava conjunto com a Alfândega, a Casa da Índia, a Casa da Moeda, o Arsenal, e o Teatro da Ópera do Tejo, sendo de notar que apesar de ser no mesmo local onde depois nascerá a geométrica Praça do Comércio, o espaço tinha uma configuração menor e diferente da Praça que lhe sucedeu.

A Praça do Comércio foi traçada por Eugénio dos Santos e Carlos Mardel após o terramoto de 1755,  integrada no plano maior da reconstrução da Baixa lisboeta, numa planta rectangular de disposição geométrica perfeita,  ao género da place royale francesa, envolvida pelas construções de três blocos de edifícios iguais concebidas por Manuel da Maia. Cerca de vinte anos depois do terramoto de 1 de novembro, a 6 de junho de 1775, ficou concluída na Praça do Comércio a estátua equestre de D. José, da autoria de Machado de Castro seguindo um plano de Eugénio dos Santos e para colocar no pedestal de Reinaldo dos Santos, em linha direita com a artéria que homenageia esse monarca: a Rua da Augusta Figura do Rei que no decorrer do tempo acabou por ficar encurtada para Rua Augusta. Quase um século depois, em 1873, foi então colocado o Arco da Rua Augusta, ou Arco Triunfal, do arqº Veríssimo José da Costa, após a arborização da Praça do Comércio em 1866.  O chão foi de terra batida até ao ano de 1900 e todo o conjunto da Praça é Monumento Nacional desde 1910 (Decreto de 16 de junho), tendo Norberto de Araújo já na década de trinta do séc. XX descrito a Praça do Comércio como a «Praça principal de Lisboa, sala de visitas da Cidade».

Projeto para a Praça do Comércio após 1775

 

Lisboa do caminho, do casal, do sítio, do terreiro e do outeiro

Caminho da Rainha – Freguesia do Parque das Nações

Na sua toponomenclatura de cariz rural Lisboa ainda comporta para além das azinhagas, mais 17 caminhos, um casal, dois sítios, dois terreiros e mais 6 referências a eles, a que se somam ainda 4 menções a outeiros.

Dos 17 caminhos existentes, 11 são topónimos herdados pelo concelho de Lisboa já no séc. XXI em resultado da Expo 98, na maioria caminhos de terra em parques ajardinados, sendo 8 referentes a aves  – Caminho das Andorinhas, Caminho das Cegonhas, Caminho dos Estorninhos, Caminho dos Flamingos, Caminho das Gaivotas ao Parque das Nações, Caminho dos Melros, Caminho dos Pardais e Caminho dos Rouxinóis -, outros 2 a árvores Caminho do Arboreto, Caminho dos Pinheiros ao Parque das Nações – e ainda um Caminho da Rainha. Este último deve o seu topónimo à Estátua da Rainha D. Catarina de Bragança no Parque do Tejo onde o Caminho se insere que já estava na toponímia de Lisboa pelo Paço da Rainha. Esta estátua é uma réplica da original da artista Audrey Flack, realizada para celebrar o mais famoso bairro de Nova Iorque, Queens, que deve o seu nome à Rainha D. Catarina, que enquanto Rainha de Inglaterra introduziu a tradição do Chá das Cinco.

Caminho da Feiteira – Freguesia de Benfica
(Foto: José Carlos Batista)

Os outros 6 são mesmo memórias de freguesias rurais que se guardaram no tecido urbano de Lisboa: o Caminho de Palma de Cima em São Domingos de Benfica; assim como o Caminho da Feiteira  e ainda o Caminho Velho do Outeiro, um pequeno troço na junção da Estrada da Buraca com o Alto da Boavista, ambos em Benfica; o Caminho da Raposa em Caselas, na freguesia de Belém, mais o  Caminho de Baixo da Penha e o Caminho do Alto do Varejão na Penha de França.

Na Freguesia da Estrela e com início à Estrada do Loureiro  está o Casal de Colares. Restam-nos dúvidas quanto à origem do topónimo já que a planta de Francisco Goullard de julho de 1884 inclui junto à Estrada do Loureiro o Sertão e o Casal do Colares  mas outra planta municipal de 1908 já o denomina como Casal dos Colares. Será alcunha, apelido de família ou refere-se mesmo a acessórios de pescoço?…

Freguesia de Benfica – Placa Tipo IV
(Foto: José Carlos Batista)

Em Benfica e São Domingos de Benfica estão o  Sítio do Barcal e o Sítio do Calhau. O Sítio do Barcal que ainda hoje apresenta características da ruralidade das velhas quintas de recreio é um topónimo registado em documentos desde o tempo de D. Afonso II, no século XIII. Hoje, este arruamento do Bairro do Calhau termina no Largo de São Domingos de Benfica e começa num arruamento vulgarmente conhecido como Avenida 24 de Janeiro que não integra a toponímia oficial de Lisboa. O Sítio do Calhau, já em São Domingos de Benfica, resulta de um surto de povoamento no séc. XVIII devido à necessidade de mão-de-obra para a construção do Aqueduto das Águas Livres. De entre os lugares que cresceram nessa época sobressaem além do Calhau a Estrada da Luz, Bom Nome, Adeão de Baixo, Penedo, Presa, Mira, Alfarrobeira, Venda Nova, Porcalhota, Adeão de Baixo, Adeão de Cima, Borel, Feiteira, Buraca, Salgado e Pedralvas.

No que se relaciona com Terreiros, encontramos dois no Parque das Nações: o Terreiro das Ondas e o Terreiro dos Corvos ao Parque das Nações. Já memórias de terreiros noutras toponomenclaturas Lisboa ainda  tem seis. No norte da cidade, em Santa Clara, temos o Largo do Terreiro, na confluência da Azinhaga das Galinheiras, Rua Direita da Ameixoeira, Azinhaga da Torrinha e Calçada do Forte da Ameixoeira, oficializado por Edital municipal de 16/06/1928, guardando a memória do terreiro desta antiga zona rural. Já ao sul, muito perto do Tejo, na freguesia de Santa Maria Maior, temos 4 arruamentos – Escadinhas, Largo, Rua e Travessa do Terreiro do Trigo – cujo topónimo recorda o edifício do Celeiro Público ou Terreiro do Trigo pombalino, que nesta zona foi construído entre 1765 e 1768, sendo atribuída a sua autoria a Reinaldo Manuel dos Santos, arquiteto da Casa do Risco e que veio substituir o antigo celeiro do reinado de D. Manuel. E por último, na freguesia da Misericórdia, temos a Travessa do Terreiro a Santa Catarina, artéria sem saída que se abre junto à Travessa do Alcaide, que assim se denomina desde a publicação do Edital municipal de 27/02/1917, e antes era a Travessa do Terreirinho, a mostrar o diminuto tamanho do terreiro que ali seria.

Finalmente, ainda topamos com 4 menções a outeiros e outeirinhos, para além do já acima referido Caminho Velho do Outeiro. Frente ao nº 67 da Rua da Bela Vista à Lapa está a Travessa do Outeiro,  numa cota mais elevada do que a rua onde nasce, que ainda não surge nos arruamentos da freguesia de Nª Srª da Lapa em 1780. Relativo ao >Outeirinho da Amendoeira , temos o Beco em Santa Maria Maior, a ligar em escadas a Rua do Vigário ao Beco dos Paus e que de acordo com Luís Pastor de Macedo, se refere a um outeiro já mencionado em 1465 onde eram moradores o almocreve João Anes e a sua mulher Catarina e que  após a remodelação paroquial de 1780 já aparece na Freguesia de Santo Estêvão  como «o becco intitullado o Outeiro da Amendoeira». Em  São Vicente, está o Largo do Outeirinho da Amendoeira que vai do Campo de Santa Clara à Cruz de Santa Helena, e que segundo Norberto de Araújo teria sido a Rua do Arco Pequeno, onde assentou o Postigo do Arcebispo, da muralha fernandina. Ainda em São Vicente, temos o Outeirinho do Mirante, a ligar a Rua do Mirante à Rua de Entre Muros do Mirante e nas proximidades do Beco do Mirante.

Freguesia de Santa Maria Maior
(Foto: Mário Marzagão)