Colégio dos Nobres

A Cerca do Colégio dos Nobres
(Foto: Armando Serôdio © CML | DPC | Arquivo Municipal de Lisboa)

O Colégio Real dos Nobres de Lisboa, instituído no reinado de D. José I por iniciativa do Marquês de Pombal, iniciou a sua atividade em 1766, embora os seus Estatutos tivessem sido aprovados cinco anos antes. Diversos acontecimentos contribuíram para a sua criação: o atentado contra o rei (1758), o processo dos Távoras que culminou com a sua execução pública em Belém em 1759, ano em que os jesuítas, que então dominavam o ensino, foram expulsos de Portugal.

Com capacidade para 100 alunos e um corpo docente essencialmente constituído por mestres estrangeiros, foi instalado num edifício pertencente à Companhia de Jesus, na Cotovia. No seu primeiro ano letivo abriu com 24 discípulos que tinham que ter entre 7 e 13 anos e, no mínimo, o foro de moço-fidalgo. Contrariando os princípios do ensino ministrado pelos jesuítas, o modelo pedagógico do Colégio refletia princípios de laicização do ensino, valorizando as Matemáticas e a Física Experimental e tendo no seu programa, para além das Ciências, as Humanidades e a atividade física, aproximando-se assim do ideário educativo da Europa das Luzes.

O funcionamento do Colégio dos Nobres, o seu sucesso formativo e a sua organização interna ficaram sempre aquém das expetativas, levando a que em 1771 a administração fosse transferida para a Real Mesa Censória. A partir do ano seguinte, prosseguia apenas com o ensino das Humanidades. Assim, uma vez abolido o ensino científico, o conjunto dos instrumentos científicos que integravam o Gabinete de Física do Colégio e que constituem atualmente um importante acervo do Museu de Física da Universidade de Coimbra, foi transferido para a Universidade de Coimbra, reformada nesse mesmo ano.

A derrota das forças absolutistas, lideradas por D. Miguel, pelos defensores do liberalismo aglutinados em torno de D. Pedro IV e a nova Constituição liberal de 1834, foram fatores determinantes para o encerramento do Colégio dos Nobres que não sobreviveu ao conflito ideológico que punha em confronto os interesses da nobreza tradicional com os da burguesia em ascensão.

O Colégio dos Nobres foi também um estabelecimento fixado como topónimo na memória de artérias próximas. A artéria no seguimento da Rua Direita da Fábrica das Sedas, desde o Palácio Soares (depois, Imprensa Nacional) até ao Príncipe Real foi a Rua Direita do Colégio dos Nobres (conforme planta da freguesia das Mercês da remodelação paroquial de 1770), depois Rua do Colégio dos Nobres e ainda mais tarde, Rua da Patriarcal Queimada até o Edital do Governo Civil de Lisboa de 1 de setembro de 1859 unir as duas artérias sob a denominação única de Rua da Escola Politécnica. Também fronteiro ao Colégio dos Nobres nasceu o Beco Colégio dos Nobres que hoje é o arruamento situado entre os nºs 87 e 89 da Rua da Escola Politécnica. Das escassas fontes para conhecer a malha urbana imediatamente anterior ao terramoto nesta zona da Cotovia apenas podemos supor que este Beco resulte de um pátio ou saguão posterior à remodelação pombalina executada na área, desde a abertura da Rua Nova de São Mamede até junto do então Colégio dos Nobres. Só na planta de 1857 de Filipe Folque  surge já registado o Beco do Colégio dos Nobres, onde 20 anos mais tarde foi construída uma escadaria empedrada, conforme documentação municipal.

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Do Beco do Conde de Sampaio à Travessa do Marquês de Sampaio

(Imagem: © CML | DPC | Arquivo Municipal de Lisboa)

O Edital do Governo Civil de Lisboa de 10 de outubro de 1871 mudou o nome do Beco do Conde de Sampaio para Travessa do Marquês de Sampaio, mudando não só a categoria do arruamento como o título do nobre que lhe dava nome e que falecera 30 anos antes.

A Travessa do Marquês de Sampaio, que se estende no espaço que medeia de  junto ao nº 34 da Rua da Boavista até junto ao nº 96 da Rua da Boavista, hoje na Freguesia da Misericórdia, perpetua o 2.º conde de Sampaio e desde 1834 também 1.º Marquês de Sampaio, que no local possuía residência.

O homenageado é  Manuel Maria Baltasar (ou Manuel António em outras fontes) de Sampaio Melo e Castro Moniz e Torres de Lusignano (Lisboa/06.01.1762-29.09.1841/Lisboa), o 2º Conde de Sampaio que  por decreto da rainha D. Maria II de 1 de dezembro de 1834 recebeu o  título de Marquês de Sampaio, também grafado como Marquês de São Paio. Era filho de António José de Sampaio Melo e Castro, genro do Marquês de Pombal por casamento com Teresa Xavier Violante Eva Judite de Daun. Este 2º Conde e 1º Marquês de Sampaio casou em 1783 com D. Joaquina Maria Rita José Estáquio de Melo (1765 – 1785) e em segundas núpcias, em 1787, com Maria Inês de Albuquerque Mendonça Furtado (1763 – 1815).

O 2.º Conde e 1.º Marquês de Sampaio, aluno do Colégio dos Nobres e militar, aos 45 anos ficou em Lisboa como membro do Conselho de Regência de 1807, para governar Portugal face à retirada da Corte para o Brasil. Aliás, com data de 4 de dezembro desse mesmo encontramos o registo do Aviso de Manuel António de Sampaio Melo e Castro Moniz e Torres de Lusignano, como secretário de Estado dos Negócios da Guerra, a informar que os governadores do reino determinaram que o Senado da Câmara de Lisboa suspendesse o acompanhamento da procissão proveniente da Sé de Lisboa. Mais tarde, foi vice-presidente da Junta Provisional do Governo Supremo do Reino constituída na sequência da Revolução Liberal do Porto de 24 de agosto de 1820 e presidente da Secção de Convocação das Cortes da Junta Preparatória das Cortes. Após a eleição das Cortes foi escolhido para presidente do Conselho de Regência de 1821 pelas Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes para governar até à chegada a Portugal do rei D. João VI, cargo semelhante ao de Primeiro-Ministro nos nossos dias, que exerceu de 27 de janeiro a 5 de julho desse ano.

Participou na Belfastada de 1828 e foi obrigado a procurar asilo na emigração liberal em Inglaterra. Após a estabilização do regime liberal, foi eleito deputado, nomeado par do Reino e recebeu o título de Marquês.

Freguesia da Misericórdia

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Do Beco à Travessa da Silva do Diogo da Silva que ali aforou terras no séc. XVI

 

O Edital do Governo Civil de Lisboa de 5 de abril de 1867 que tornou o Beco em Travessa da Silva

Próximo da Sé de Lisboa e na entrada de Alfama,  um Beco passou a Travessa pelo Edital do Governo Civil de Lisboa de 5 de abril de 1867, a pedido de moradores locais. Foi o Beco da Silva que passou a Travessa da Silva, então na Freguesia de São João da Praça, que havia sido criada em 1209. Vinte e seis anos depois, em 1893, o Edital municipal de 6 de novembro tornou-a Travessa do Chafariz de El-Rei e é assim que hoje ainda a encontramos na Freguesia de Santa Maria Maior.

Este Beco do Silva que passou a Travessa da Silva tudo indica ser um topónimo referente a uma pessoa conhecida no lugar e não o arbusto silva. Os documentos  apontam para um Diogo da Silva que aforou terras naquele local no séc. XVI. Segundo Luís Pastor de Macedo, «nos meados do séc. XVI a travessa era a rua de Diogo da Silva» e é assim que aparece no Sumário de Lisboa de 1551 de Cristóvão Rodrigues de Oliveira. Norberto de Araújo afirma que «Esta Travessinha, em escadaria, do Chafariz de El-Rei foi chamada, no tempo velho, Beco da Silva;  a razão toponímica tradicional esteve no nome do dono da tal casa [Diogo da Silva], trocado que foi, por corruptela o ‘do’ em ‘da’» e esclarece também que « Estas casas, por trás do Chafariz, e as que se seguem à direita da Travessa do Chafariz de El-Rei, foram, na base primitiva desaparecida, as do Marquês de Angeja – a que atrás me referi – (primeira metade do século XVIII), mas no século XVI, uma parte delas havia pertencido a um Lopo de Albuquerque de cujos herdeiros a Câmara a houve um tanto forçadamente e outra parte a um tal Diogo da Silva, que acabou por tomar de fôro as da Câmara.»

Pastor de Macedo elucida ainda que «juntamente com a travessa de S. João da Praça, talvez se tivesse chamado em 1565 travessa do Chafariz de El-Rei. Em 1573 vêmo-la designar por ‘travessa que vem da porta de S. Pedro para o chafariz’ [e dá-nos como sua fonte para este efeitos os livros dos Prazos da freguesia de S. João da Praça, caixa 16/15]. Depois, não sabemos desde quando, foi a rua e o beco da Silva» e refere que assim surge no Livro I de baptismos de S. João da Praça dos anos de 1714 e 1717, sendo ainda como Beco da Silva que está registada na Freguesia de  São João da Praça nas memórias paroquiais de 1755, assim como nas plantas da remodelação paroquial de 1770. Depois, já no séc. XIX, o Edital do Governo Civil de Lisboa de 1867 tornou a artéria em Travessa da Silva e o Edital municipal de 1893 voltou a alterar a denominação, desta feita para Travessa do Chafariz de El-Rei.

A primeira referência documental a este chafariz data de 1487, de acordo com Maria Calado, que todavia assinala que também se pode registar o seu funcionamento desde épocas mais recuadas. O Chafariz d’El-Rei surge ainda mencionado no Sumário de Lisboa de 1551. O Chafariz também foi topónimo para a Porta ou Postigo do Chafariz de El-Rei, que depois foi o  Beco das Moscas e ainda mais tarde a  Travessa de São João da Praça.

A Travessa do Chafariz de El-Rei em 1967
(Foto: Armando Serôdio, © CML | DPC | Arquivo Municipal de Lisboa)

 

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O Beco de S. Francisco e o Largo da Achada e a passagem do Beco do Esfola Bodes ao da Boa Vista

Beco de São Francisco (na Achada ) em data entre 1898 e 1908
(Foto: Machado & Souza, © CML | DPC | Arquivo Municipal de Lisboa)

O Edital do Governo Civil de Lisboa de sábado 9 de setembro de 1871, integrou parte do Beco de São Francisco no Largo da Achada e continuaram a existir ambos os topónimos que hoje são parte da Freguesia de Santa Maria Maior. Pelo mesmo Edital, o Governo Civil de Lisboa mudou o Beco do Esfola Bodes para Beco da Boavista, no território da hoje Freguesia da Misericórdia.

O Beco de São Francisco e o Largo da Achada

O Beco de São Francisco, que liga o Largo da Achada à Rua das Achada, teve a sua parte compreendida na área do Largo da Achada (lado Sul) incorporada nesse mesmo Largo por Edital do Governo Civil de Lisboa de 9 de setembro de 1871. O olisipógrafo Luís Pastor de Macedo defende que o beco é ainda mais antigo porque «Vemo-lo em 1770 – “Terreirinho de S. Francisco (actual largo da Achada) e seu beco [Róis de desobrigas da freguesia de S. Cristóvão] – mas é de presumir que já existisse muitíssimos anos antes». Registe-se que na planta da remodelação paroquial de 1770, surge na freguesia de São Cristóvão o Terreirinho de São Francisco e o beco da «Axada», enquanto na Freguesia de São Lourenço se regista a «Rua da  Axada» que já Cristóvão Rodrigues de Oliveira menciona no seu Sumário de Lisboa em 1551 como arruamento da Freguesia de S. Cristóvão. Também Norberto de Araújo referiu que «Este sítio da Achada, que foi arrabalde da cidade muçulmana, deve o seu nome, muito antigo e característico, pois já é citado em 1554, ao facto de aqui se encontrar uma pequena planície ou descanço da encosta. “Achada”, com efeito, é uma contracção de “achaada”, terra chã.»

Sobre São Francisco, encontramos na memória paroquial de São Cristóvão, assinada pelo pároco Joaquim Salter de Mendonça em 10 de setembro de 1758, a informação de que a igreja tinha oito altares, estando no corpo da igreja, o altar do Crucificado, onde surgia uma Sagrada Família, e o altar de São Miguel, ladeado por São Sebastião e São Francisco Xavier. Todavia, o Beco de São Francisco pode fixar antes a memória ou a propriedade  do antigo convento de São Francisco da Cidade, influente centro cultural, religioso e social da Lisboa de vários séculos,  que tendo começado numa ermida construída pelos franciscanos em 1217, localizado no Monte Fragoso acabou por dar o nome de São Francisco a essa colina e a diversos topónimos locais.

O Beco do Esfola Bodes em 1856, na cartografia de Filipe Folque

Do Beco do Esfola Bodes ao Beco da Boa Vista de 1871

O mesmo Edital do Governo Civil de Lisboa de sábado 9 de setembro de 1871 alterou a denominação de Beco do Esfola Bodes para Beco da Boa Vista, por referência à proximidade à Rua da Boavista e provavelmente para tornar mais urbano um topónimo rural e violento. Recorde-se que Câmara Municipal de Lisboa em 1834 proibira também o lançamento de cadáveres de cavalos ao Tejo, assim como depois, entre 1847 e 1872 foram naquela zona construídos prédios no seguimento do edifício da Companhia do Gás (de 1846) e foi aberta a Rua da Moeda – antes conhecido como Boqueirão da Moeda, por referência à Casa da Moeda ali instalada desde 1720 -, fundado o Instituto Industrial em 1852 e erguida nova casa da Moeda entre 1889 e 1891. Recorde-se que a Praia da Boa Vista só teve o seu aterro a partir de 1855, sobre o qual nasceu a Praça de D. Luís e a Avenida 24 de Julho.

Se recuarmos à Lisboa de 1551, o relato de Cristóvão Rodrigues de Oliveira apenas  nos menciona a Rua direita da boa vista até à cruz na Freguesia de Nª Sª dos Mártires, assim como o Vale das Chagas e a Calçada da Boa Vista na Freguesia do Loreto. Mas cerca de duzentos anos depois, por uma descrição corográfica das paróquias no dia do terramoto de 1755 já encontramos o «Beco do esfollabodes» tal como a «rua da boavista» na Freguesia de São Paulo, junto à praia da Boavista. E na memória paroquial após o terramoto, em 22 de dezembro de 1759, o vigário de São Paulo, Francisco Xavier Baptista, confirma a existência da rua direita da Boavista e do Becco do Esfolla Bodes, que mesmo uns vinte anos depois davam para uma praia junto ao Tejo. O Beco do Esfola Bodes é ainda o que aparece na cartografia de Filipe Folque de 1856 até que depois do Edital de 1871, a cartografia de Francisco Goullard de 1883 já refere o Beco da Boavista.

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O Arraial da Calçada da Bica Grande

Calçada da Bica Grande – Freguesia da Misericórdia

Pela Calçada da Bica Grande, Beco dos Aciprestes e Travessa do Cabral, prolonga-se o Arraial das Festas de Lisboa 2019 promovido pelo Marítimo Lisboa Clube, coletividade fundada no dia 1 de outubro de 1944, e que também logo em em 1952 foi responsável pela organização da Marcha da Bica conseguindo o seu primeiro 1º Prémio, que repetiu em 1955 e 1958, bem como em 1963 ex-aequo com Marvila, assim como em 1992 e 2003.

A Travessa

A Bica é um conjunto urbano seiscentista e setecentista que como freguesia foi destacada da freguesia dos Mártires  em 1566, como Freguesia de São Paulo, que hoje é parte da freguesia da Misericórdia. A Calçada da Bica Grande, toda em escadinhas, que sobe da Rua de São Paulo até à Travessa do Cabral e nessa subida abre à direita o Beco dos Aciprestes. De acordo com o olisipógrafo Norberto de Araújo Bica Grande e Bica Pequena podem ter sido apenas denominações dadas com o sentido de Calçada Grande e Calçada Pequena, o que até se ajusta à largura e extensão das serventias. Certo é que Filipe Folque no seu Atlas de Lisboa de 1856 já a menciona como Calçada da Bica Grande. Em 1909 foram reformadas as escadas e o cano de esgoto desta Calçada, o mesmo em que datado de 4  de junho, encontramos um pedido de autorização de José Tavares, como presidente da comissão organizadora dos festejos a Santo António, São João e São Pedro, para construir um coreto na Calçada da Bica Grande.

Travessa do Cabral, surge referida em 1706 na Corografia Portuguesa do padre Carvalho da Costa, como Rua do Cabral, mas em 1856, no Atlas da Carta Topográfica de Lisboa de Filipe Folque, já figura com o topónimo que conhecemos hoje. Norberto de Araújo explica que o homenageado é o bacharel Manuel Rodrigues Cabral, que nasceu no final do século XVI e morreu em 1632, que seria morador no local apontando, sem garantir certeza, como o seu solar de residência o prédio no nº 35 que torneja para a Calçada da Bica Pequena e ostenta um pórtico nobre. Por seu turno, a investigadora Graça Índias Cordeiro, defende que o topónimo se deve ao embaixador espanhol Cabral. Nesta artéria, no séc. XX, também viveu António Alçada Baptista.

O Beco

E finalmente, junto ao nº 34 da Calçada da Bica Grande nasce o Beco dos Aciprestes, identificado em 1856 por Filipe Folque como Beco do Acipreste. Eventualmente, pode o topónimo ter sido originado pela residência no local de um Arcipreste, o pároco que numa diocese tem poder superior ao dos restantes párocos, e ter havido uma corruptela gráfica. Na Gazeta de Lisboa de 29 de julho de 1829, refere-se uma propriedade foreira da Sé de Lisboa neste arruamento – o nº 1 com os nºs 3 e 4 da Calçada da Bica Grande -, sendo o foro de «80 reis e huma gallinha». Outra hipótese pode ser a proximidade a um cemitério nas suas redondezas, por ser frequente usarem este tipo de árvores.

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O Beco de João Alves de 1917

Freguesia da Ajuda
(Foto: Google Maps editada pelo NT do DPC)

Por deliberação e edital municipais, respetivamente de 30 de agosto e 1 de setembro de 1917, o troço de via pública existente a meio da Travessa de João Alves, que principia a nascente e termina a poente da Travessa da Ferrugenta e então se considerou  estar indevidamente incluído nessa Travessa, passou a denominar-se Beco de João Alves, por referência de proximidade à Travessa de João Alves.

Sobre a identidade de João Alves desconhecem-se elementos precisos, embora se possa formular a hipótese de que fosse um morador da zona próxima do Palácio da Ajuda, talvez até um funcionário desse Palácio. A base desta hipótese é que foi a partir de um pedido da Junta da Ajuda que o  vereador Augusto de Magalhães Peixoto apresentou a proposta na sessão da Comissão Executiva de 21 de setembro de 1916 e daí nasceu o Edital municipal que oficializou a Travessa de João Alves em 26 de setembro seguinte. Ora, na mesma proposta e Edital, foram atribuídos outros nomes de moradores do sítio como aconteceu com a Rua e a Travessa do Guarda-Jóias – quer era um empregado da Casa Real encarregado da guarda das jóias-, a Rua e a Travessa do Machado – por mor do capitão Manuel Rodrigues Machado que prestava serviço na Casa Real e que dali até ao Alto das Pulgas possuía a sua Quinta do Machado)- , a Rua e a Travessa de Dom Vasco – memória do porteiro-mor da Casa Real e gentil-homem da Câmara de D. João VI-, a Travessa da Ferrugenta – recordação de Leonor Maria, padeira de Sua Majestade-, bem como a Travessa José Fernandes, a Travessa do Pardal e a Travessa de Paulo Martins, o reposteiro da Casa Real.

Freguesia da Ajuda
(Planta: Sérgio Dias| NT do DPC)

 

 

A confirmação em 1919 de 14 topónimos de Carnide belenense

Passados 34 anos sobre a extinção do Concelho de Belém, em 1885, a edilidade alfacinha que o recebera e onde se incluía a jurisdição sobre Carnide, embora sem «a documentação referente à nomenclatura e numeração das vias públicas», resolveu oficializar 14 topónimos dessa recente zona lisboeta, pelo Edital municipal de 19 de julho de 1919.

Tal resolução de oficialização de 14 topónimos proveio da reunião da Comissão Executiva da Câmara de 10 de julho de 1919, na qual o vereador Augusto César de Magalhães Peixoto, propôs a confirmação de 4 Largos, 4 Ruas, 4 Travessas e 2 Becos de Carnide, a saber: o Largo das Pimenteiras (também conhecido então como Largo das Piçarras), o Largo da Praça, o Largo do Jogo da Bola, o Largo (ou Rua) e a Travessa do Malvar, a Rua da Fonte, a Rua e a Travessa do Machado, a Rua e o Beco da Mestra ( ou Rua e Travessa das Mestras), a Rua e o Beco do Norte, a Travessa do Cascão e a Travessa do Pregoeiro. De acordo com as características dos arruamentos a Comissão Executiva da CML também modificou alguns dos limites dos arruamentos, o que também foi publicado no Edital.

Numa planta de Carnide de ano indefinido mas do séc. XIX, a propósito de obras de canalização, encontramos já referidas quase todas estas artérias, a saber: o Largo do Jogo da Bola, o Largo das Pimenteiras, o Largo da Praça (também num alinhamento de 1907), a Rua do Norte, a Travessa e a Rua das Mestras (que a partir de 1919 passarão a Beco e Rua da Mestra), a  Rua e a Travessa do Machado, a Rua da Fonte (também num alinhamento de 1907), a Rua e a Travessa do Malvar e a Travessa do Cascão (também num alinhamento de 1899).

A maioria destes topónimos perpetuam moradores do local mesmo que hoje tenhamos dificuldade em os identificar: o Largo e a Travessa do Malvar, a Rua e a Travessa do Machado, a Rua e o Beco da Mestra, a Travessa do Cascão e a Travessa do Pregoeiro. Juntam-se as referências geográficas da Rua e do Beco do Norte e os topónimos que a partir de um elemento específico do local servem também de referência geográfica e de orientação no espaço: o Largo das Pimenteiras, o Largo da Praça, o Largo do Jogo da Bola e a Rua da Fonte.

Beco dos Lóios para não ser Beco das Cabras

Freguesia de São Vicente
(Foto: Google Maps editada pelo NT do DPC)

O Beco dos Lóios, que faz a ligação da Rua de Santa Marinha à Rua do Salvador, foi o topónimo escolhido para substituir o topónimo Beco das Cabras, por deliberação camarária de 23 de agosto de 1922 e consequente Edital municipal de 17 de outubro de 1924.

O olisipógrafo Luís Pastor de Macedo afirma que «A sua categoria primitiva foi a de travessa – ‘rua q vay junto á travessa dos Cabras’ – e a primeira vez que nos aparece nos registos paroquiais de S. Tomé é em 1705 [no Livro de Óbitos]. Ainda não sabemos que Cabras – apelido ou alcunha – deram o nome à serventia». Ou seja, o primitivo topónimo resultava do nome de gente conhecida localmente. Mas já em 1812 o Padre Carvalho Costa,  na sua Corografia Portuguesa, menciona este arruamento como Beco das Cabras, tal como está na planta de 1858 de Filipe Folque e assim ficou até lhe ser mudado o nome para Lóios, aproveitando uma relativa proximidade ao Largo dos Lóios.

Refira-se que por este mesmo Edital de 1924 também o Beco do Monete passou a ser a Travessa da Madalena, por proximidade à Rua da Madalena. Parece assim ter existido uma vontade municipal de mudar os topónimos que nasceram a partir de alcunhas de moradores locais para os referenciar antes a uma artéria próxima, que nestes dois casos foi de categoria religiosa.

Por sua vez, o Largo dos Lóios, «um pequeno largo que datava de 1677, ano em que fora regulado pela Câmara a pedido dos frades» conforme esclarece Norberto de Araújo, nasceu dos frades lóios do Convento de São Paulo e de Santo Elói ali implantado. Este Convento de Santo Elói foi fundado em 1284 pelo 10º bispo de Lisboa, D. Domingos Jardo, tendo cerca de 1442 sido convertido em Casa dos Cónegos Seculares de S. João Evangelista, S. Clemente e Santo Elói. O Convento foi quase pulverizado aquando do terramoto e em 1834, quando da extinção das ordens  religiosas ainda não estava concluída a sua reconstrução pelo que o terreno acabou por mais tarde servir para lá se instalar a 5ª Companhia da Guarda Municipal, mais tarde Guarda Nacional Republicana.

O topónimo Lóios está também presente em Agualva-Cacém, na Caparica, Évora, Lavradio, Nelas e Santo Antão do Tojal.

Freguesia de São Vicente (Planta: Sérgio Dias| NT do DPC)

 

O Beco da Mitra junto ao Palácio da Mitra

Em 2014 – Freguesia de Marvila
(Foto: Google Maps editada pelo NT do DPC)

O Beco da Mitra recebe o seu nome da proximidade ao Palácio da Mitra ou Palácio Patriarcal de Marvila, já que nasce na Rua do Açúcar, na esquina com o seu nº 66, e o Palácio, uma construção do séc. XVII que foi residência dos prelados de Lisboa, se situa na Rua do Açúcar nº 64.

É justo supor que este pequeno arruamento surgiu junto do Palácio da Mitra no séc. XX , uma vez na planta de Lisboa de 1908 ainda não surge mencionado o topónimo mas apenas nesta zona da cidade estão a Linha Férrea do Norte e Leste, a Rua do Açúcar, a Rua António Maria Tavares, a Quinta da Quintinha e o Rio Tejo. Mais tarde, este topónimo já aparece mencionado: em 1941, no Guia das Ruas de Lisboa da Tipografia Gonçalves e a Comissão Municipal de Toponímia, na sua reunião de 22 de janeiro de 1945, confirmou esta nomenclatura.

A Mitra de Lisboa já no séc. XIII era detentora de bens em Marvila, tanto mais que as terras dos mouros nessa zona lhe tinham sido doadas. Já o Palácio da Mitra remonta ao princípio do século XVII e sofreu obras de restauro nos séculos XVIII (1716 a 1744) e XIX, tendo ficado conhecido por ser a residência de D. Tomás de Almeida (Lisboa/1670 – 1754/Lisboa), o 1º Patriarca de Lisboa, no período de  1716 a 1754. Note-se que a grade da porta em ferro do palácio ostenta iniciais, sendo que  T.C.P. quer dizer Tomás Cardeal Patriarca e P.D.L.  é Prelado da Diocese de Lisboa, assim como o portão principal exterior de acesso ao Pátio do Palácio está encimado pelo brasão dos Almeidas.

Freguesia de Marvila
(Planta: Sérgio Dias| NT do DPC)

 

Em 1834, com a lei da extinção das ordens religiosas, este Palácio da Mitra foi incorporado na Fazenda Pública e, em 1902 foi comprado por  António Centeno que, por seu turno, o vendeu a um seu sócio para aí instalar a Fábrica Seixas de Metalurgia e Fundição, com escritórios nos salões e a fábrica nas cocheiras, empresa que acabou extinta em 1925. Em abril de 1930, a Câmara Municipal de Lisboa comprou o palácio, terreno e anexos, tendo instalado no terreno o Asilo da Mitra (inaugurado em 1933) e no palácio, a Biblioteca Municipal (inaugurada em 1934). Mais tarde, em 1941, também o Museu da Cidade foi instalado no palácio, onde se manteve até 1973 e, a partir de 1975, o andar inferior foi cedido para sede do Grupo «Amigos de Lisboa».

Em Portugal, «da Mitra» integra a toponímia de Évora, Gondomar, Guarda, Mafra, Óbidos e Santa Marta de Penaguião.

Em 2014 – Freguesia de Marvila
(Foto: Google Maps editada pelo NT do DPC)

Olarias em beco, escadinhas, largo e rua

Rua das Olarias –
Placa Tipo II
(Foto: Sérgio Dias| NT do DPC)

O sítio das Olarias guarda a memória dos oleiros desta zona, reforçada ainda por quatro topónimos:  o Beco das Olarias (freguesia de Santa Maria Maior ), as Escadinhas das Olarias ( freguesias de Santa Maria Maior e de  Arroios ), o Largo das Olarias (freg. de Santa Maria Maior e São Vicente ) e a Rua das Olarias ( freg. de Santa Maria Maior , São Vicente e Arroios ).

Por ordem cronológica, o Largo das Olarias que vai do Largo do Terreirinho à Rua dos Lagares, bem com a Rua das Olarias que une o  Largo das Olarias às Escadas do Monte, são os primeiros topónimos que se fixaram no local. A meio do século XIX, por Edital de 1 de setembro de 1859, o Governo Civil de Lisboa resolveu substituir a denominação Beco das Amoreiras por Beco das Olarias, considerando que o arruamento começa junto ao nº 54 do Largo das Olarias. E no último quartel do séc. XIX, o Edital municipal de 4 de dezembro de 1883 colocou o topónimo Escadinhas das Olarias para substituir o  Beco dos Emprenhadores, o qual de acordo com Luís Pastor de Macedo, «(…) desde 1748 [ visto no Prazo nº 64 da Freguesia dos Anjos], pelo menos, esta serventia denominou-se beco dos Empenhadores», a ligar a Rua das Olarias à Rua do Benformoso.

Beco das Olarias –
Placa de azulejo
(Foto: Sérgio Dias| NT do DPC)

O jornalista e olisipógrafo Norberto de Araújo retrata este sítio da seguinte forma : «Olarias – a palavra o diz – corresponde ao aglomerado de fabricantes de louças de barro, de que esta raiz ou encosta do Monte era fértil. (…) Quando Afonso Henriques tomou Lisboa já por aqui andavam, é claro, os mouros pois deles eram a Cidade e os subúrbios. Por este sítio cultivavam-se terras, em hortas frescas (as almuinhas) e em olivais, que haviam de dar os Lagares (de azeite e não de vinho), e abriam-se barrocais de greda, no desenvolvimento da arte de olaria e cerâmica seguimos para o vale que deu a Mouraria , e da passagem que havia de ser dos Cavaleiros para nascente, isto é: para o sopé da encosta da praça e do Monte, numa planície de relativa extensão, ficou um subúrbio de oleiros, e de cujas primeiras dinastias há vagas noticias, as suficientes para se saber que existiram. No século XVI, no seu começo, o sítio era caracterizadamente dos oleiros, certo como era que pelo primeiro Foral dado a Lisboa em 1179, tempos finais do primeiro Afonso era livre o fabricar “ollas” tanto como o fabricar pão. (…) A urbanização do sitio começou por 1498, em arrabalde definido, depois de D. Manuel tomar conta do “Almocovar” ou cemitério dos mouros (na encosta do Monte do lado da Bombarda), (…) Os lagares foram desaparecendo lei inevitável da urbanização lenta; as olarias resistiram e chegavam no tempo dos Felipes, de Espanha, e, pelo século XVII dentro, ao seu apogeu. Na terceira década de seiscentos havia por aqui oitenta artífices oleiros. Só no século XVIII, com a criação de fábricas já em grande, “modernas”, e com outros horizontes industriais, as olarias entraram em declínio (…)  Presentemente, e desde há três dezenas de anos [Norberto de Araújo escreve em 1938-1939], das olarias do sítio das Olarias não restam vestígios, sendo delas uma reminiscência, aliás importante, a, já citada atrás, Fábrica da Viúva Lamego, no Intendente, que, encostada à Bombarda, fazia parte da área; em 1885 havia ainda duas ou três olarias na Calçada Agostinho de Carvalho, e que agonizavam no começo do nosso século [século XX].»

Freguesias de Santa Maria Maior, de Arroios e de São Vicente
(Planta: Sérgio Dias| NT do DPC)

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