O Carrasco num Pátio

Freguesia de Santa Maria Maior
(Foto: Eduardo Portugal, sem data, Arquivo Municipal de Lisboa)

Para além do Beco do Carrasco, junto à Rua do Poço dos Negros, Lisboa tem também um Pátio do Carrasco  que nasce junto ao Largo do Limoeiro e até julho de 1974, também na proximidade da cadeia que também usava essa toponímia de árvore.

Segundo Luís Pastor de Macedo, o Pátio do Carrasco aparece referido pela primeira vez em 1689. Antes, teria sido conhecido como Pátio do Limoeiro ( por volta de 1630), Pátio do Terreiro do Limoeiro (1682) e Pátio Defronte do Limoeiro (1686). Mais informa o olisipógrafo que antes de 1888, lhe começou a ser dado o nome de Pátio do Gama mas tal topónimo não vingou na memória do local.

O Pátio do Carrasco por Alfredo Roque Gameiro

Sobre a origem do topónimo sugere ainda Pastor de Macedo que «O nome do pátio indica-nos que seria ali a morada dos carrascos em casa paga pelo rei, ou revela sòmente a estada temporária de qualquer daqueles executores da Justiça? Não sabemos responder; no entanto, talvez que o nome primitivo de Pátio do Limoeiro, dê a este estabelecimento penal a aparência de proprietário do pátio ou de algumas das suas casas, aparência que mais se acentua depois de sabermos que entre o edifício da cadeia e o pátio corria um passadiço, que também comunicava com a Igreja de S. Martinho. Neste caso seria muito natural que uma daquelas casas fosse a residência oficial do carrasco.»  Pastor de Macedo acrescenta a nota de que no ano de 1706, dois carrascos morreram às mãos dos sentenciados.

Na zona do Limoeiro existia desde 1168 a igreja de São Martinho, em frente ao chamado Paço-a-Par de São Martinho, e ambos os edifícios estavam ligados por um arco sobre a rua. Por isso, quando em 1383 o Conde Andeiro  foi morto no Paço, o seu corpo  foi depositado na Igreja. O rei D. Manuel I mandou transformar este Paço em Casa da Suplicação e Casa do Cível, que assim passaram a coexistir com a Cadeia que já estava instalada no Limoeiro desde o séc. XV, no reinado de D. João II. Na 1ª metade do séc. XVIII, a cadeia sofreu alterações segundo um plano traçado pelo Arqº Volkmar Machado e  após o Terramoto de 1755 teve de ser reconstruída, sendo certo que entre 1758 e 1760, dos habitantes de S. Martinho 490 eram presos da Cadeia do Limoeiro.

Luís Pastor de Macedo anotou ainda que moraram neste Pátio, em 1756, José Carlos Freire (cantor da Igreja de S. Nicolau) e António Rodrigues (alcaide do bairro do Limoeiro), assim como  depois de 1846, Ana Gertrudes, mãe da Severa. No decorrer do séc. XIX, alguns documentos apontam para a falta de salubridade do local já que com data de 6 de setembro de 1854 encontramos um parecer  do delegado inspetor do Distrito Oriental Sanitário sobre uma vistoria ao Pátio do Carrasco, a solicitar que a Câmara promova limpezas regulares de modo a cessar o foco de infeção, assim como em 29 de outubro de 1857 o subdelegado do Círculo do Castelo solicita a limpeza de um saguão e o desentupimento dos desaguadouros do Pátio do Carrasco.

Freguesia de Santa Maria Maior
(Planta: Sérgio Dias| NT do DPC)

 

Os Pátios da toponímia oficial de Lisboa

Pátio do Pinzaleiro em 1946
(Foto: Fernando Martinez Pozal, Arquivo Municipal de Lisboa)

Lisboa acolhe na sua toponímia oficial 17 Pátios, dos quais 6 estão na mais antiga Freguesia de Lisboa (uma vez que Santa Maria Maior reúne as primeiras freguesias de Lisboa) e 5 pertencem à mais recente freguesia da cidade (Parque das Nações). Embora muitos pátios lisboetas tenham desaparecido em resultado de remodelações urbanísticas da cidade,  os que hoje encontramos na toponímia oficial de Lisboa são os que resultaram da análise de todos os topónimos lisboetas pela Comissão Municipal de Toponímia após a sua criação, executada no período de 1943 a 1945, e consequente oficialização, tal como aconteceu com os cinco herdados no Parque das Nações.

Pátio, deriva do latim pactus  e refere-se a uma zona aberta, descoberta situada no interior de um edifício. Tem também o significado de conjunto de habitações modestas dispostas à volta de um recinto descoberto comum. E estes dois significados combinam-se bem na história da cidade de Lisboa uma vez que os primeiros pátios com residentes resultam do aproveitamento de pátios de palacetes abandonados, como o Pátio de Dom Fradique ou o Pátio do Pimenta.

De Ocidente para Oriente, encontramos na Freguesia da Ajuda o Pátio do Seabra, junto ao nº 17 do Largo da Ajuda, que combina antigas casas térreas de perfil rural com alguns prédios novos. Nele funciona o Centro de Atividades Ocupacionais da Ajuda da APPACDM Lisboa.

Na Freguesia da Estrela, na zona de Santos, a ligar a Avenida 24 de Julho à Rua das Janelas Verdes, temos o Pátio do Pinzaleiro, a fixar o fabricante de pincéis que por aqui deve ter trabalhado ou morado. É que de acordo com o Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, a origem da palavra pinzaleiro está provavelmente em pinzel, uma antiga forma de pincel.

Pátio do Tijolo – Freguesia da Misericórdia
(Foto: Artur Matos)

Passando à freguesia da  Misericórdia, encontramos três Pátios. Na antiga freguesia de Santa Catarina, junto à Rua D. Pedro V, onde começa e termina, topamos com o Pátio do Tijolo, artéria em U que comporta o Palacete Braamcamp, onde funcionou a Escola Francesa antes de se mudar para ser o novo Liceu Charles-Lepierre, sendo que no final do arruamento, no edifício onde existiu um posto dos CTT, viveu o escritor Eduardo de Noronha (1859-1948), conforme placa evocativa que a Câmara Municipal lá colocou.  A nascer na Rua da Boavista, na antiga freguesia de São Paulo, temos o pombalino Pátio da Galega, formado por um beco aberto entre dois prédios, com o nome de uma moradora oriunda da Galiza ou de alguma forma com ela relacionada. Ainda no antigo território de São Paulo, damos com o Pátio do Pimenta,  entre os nºs 11 e 15 da Rua do Ataíde, com uma entrada de características nobres, de cerca de 1780,  o que revela uma pré-existente ocupação do local por uma casa nobre, apresentando ainda um edifício do séc. XIX de um só piso e supomos, como é usual nestes arruamentos que o seu nome derive de um morador ou proprietário no local, tanto mais que existe um requerimento de 1890, de uma Carolina Amélia Pimenta solicitando a aprovação de um projeto de alterações no seu prédio com a numeração de polícia nº 26/27 do Pátio do Pimenta.

Pátio das Canas – Freguesia de Santa Maria Maior
(Foto: Mário Marzagão)

Passando à mais antiga freguesia de Lisboa,  Santa Maria Maior, que desde 2012 agrega todas as mais antigas freguesias da cidade de Lisboa, descobrimos seis Pátios.  Na antiga freguesia da Sé, junto à Travessa do Almargem, está o Pátio Afonso de Albuquerque que, segundo Pastor de Macedo « A primeira vez que aparece com o nome de pátio do Monteiro é em 1833 e a última em 1878. Antes desta data porém, já o designavam por pátio do Beco do Albuquerque (1864), passando depois a pátio do Albuquerque (1880) e por fim, em 1889, a ter o nome que hoje tem» , talvez por ser paralelo à Rua Afonso de Albuquerque, topónimo de 1882 para substituir a Rua do Almargem, por ser o sua designação original no séc. XVI. O homenageado é o filho do vice-rei da Índia e que por isso foi autorizado a mudar o seu nome de Braz Albuquerque para Afonso de Albuquerque, tendo mandado construir e residido nas Casas dos Diamantes ou dos Bicos, para além de ter presidido ao Senado Municipal em 1572 e 1573.  O Pátio das Canas, abre-se no nº 4 do Beco das Canas, na antiga freguesia de São Miguel, em Alfama, tal como o Pátio da Cruz junto ao nº 15 da Rua da Galé e perpendicular da Rua de São Miguel junto ao Largo de São Rafael. Próximo da Rua Regueira fica o Largo do Peneireiro em cujo  nº 2 se abre o Pátio do Peneireiro.  Já antigo território de Santiago, junto ao Largo do Limoeiro fica o Pátio do Carrasco que nos finais do séc. XIX Roque Gameiro imortalizou num desenho. O último em Santa Maria Maior é o Pátio de Dom Fradique, próximo da Rua do Chão da Feira, com vestígios dos muros da Alcáçova e das torres e muralhas da Cerca Moura, sendo uma antiga dependência do Palácio de Belmonte (hoje, um hotel de luxo), cuja construção parece remontar ao século XV, sendo a entrada do pátio feita através de um portal do século XVII, época em que o Pátio foi anexado ao Palácio. Norberto de Araújo refuta que o  nome do Pátio derive de D. Fradique de Toledo, comandante general das tropas de Filipe IV de Espanha, ou de seu irmão,  D. Fernando, que foi comandante dos presídios castelhanos no Castelo, defendendo que se refere a D. Fradique Manuel, em 1518 moço fidalgo do Rei Venturoso, tanto mais ser dessa época a construção inicial do Palácio Belmonte.

Na Freguesia de Arroios, deparamos com o Pátio do Sequeiro, na continuação da Travessa das Salgadeiras e ao cimo da Travessa do Forte, na antiga zona do Desterro, a denunciar a antiga ruralidade da zona no seu nome.

E finalmente, a Oriente, temos na Freguesia do Parque das Nações os cinco Pátios herdados da Expo 98, todos com toponímia relacionada com o mar :  o Pátio dos Escaleres ao Parque das Nações, o Pátio das Fragatas, o Pátio das Galeotas ao Parque das Nações, o Pátio das Pirogas e o Pátio do Sextante.

Pátio do Sequeiro – Freguesia de Arroios
(Foto: Mário Marzagão)

As Cruzes da Toponímia de Lisboa

Rua das Flores de Santa Cruz em 1907 quando era Rua das Flores do Castelo (Foto: Arquivo Municipal de Lisboa)

Rua das Flores de Santa Cruz em 1907 quando era denominada como Rua das Flores do Castelo
(Foto: Arquivo Municipal de Lisboa)

Diz-se que cada um carrega a sua cruz mas Lisboa dos nossos dias carrega 25 na sua toponímia, sendo 2 cruzes simples, dois becos com as suas cruzes, uma calçada, uma estrada, um largo, um pátio e mais 6 ruas e 7 travessas com cruz,  uma rua com cruzeiro e a Rua do Crucifixo. O cristianismo espalhou vários tipos de cruzeiros e cruzes nas ruas, nas estradas ou nos caminhos, de materiais diversos, pedra ou madeira e foram abundantes na cidade de Lisboa, tendo desaparecido progressivamente com as várias modificações urbanísticas que a cidade sofreu ao longo dos tempos.

Já publicámos a Rua de Santa Cruz do Castelo e o Largo de Santa Cruz dos Castelo, mas não a Rua das Flores de Santa Cruz  que era a Rua das Flores do Castelo até o Edital do Governo Civil de 1 de setembro de 1859 a tornar Rua das Flores de Santa Cruz. Todos estes três topónimos recebem o nome da vizinhança à igreja de Santa Cruz da Alcáçova, depois chamada de Santa Cruz do Castelo, que já aparece mencionada num documento de 25 de maio de 1168 e que segundo o olisipógrafo Norberto de Araújo « Assentou neste lugar a mesquita moura, sagrada logo depois da Conquista, e onde entrou, em procissão e cortejo real, Afonso Henriques, na tarde de 25 de Outubro de 1147».

Cruzes da Sé (Foto: Mário Marzagão, 2012)

Cruzes da Sé
(Foto: Mário Marzagão, 2012)

Ainda na freguesia de Santa Maria Maior, um pouco mais abaixo encontramos as Cruzes da Sé,  a fazer a ligação do Largo da Sé com a Rua de São João da Praça e como tal nas costas da Sé. De acordo com Luís Pastor de Macedo,  já aparece referida num livro de óbitos de 1690 e no século XVIII, « Fugitivamente deu-se o nome de Largo da Caridade a uma parte das Cruzes da Sé, naturalmente a que ficava e fica diante da ermida. Hoje, e desde há muitíssimos anos, mas depois do advento do regime republicano, está nela instalada a Junta de Freguesia da Sé e S. João da Praça.»

Já em São Vicente está a Cruz de Santa Helena, entre o Largo do Outeirinho da Amendoeira e a Calçada de São Vicente, designação que deverá ser anterior ao Terramoto de 1755. Tal como o Beco de Santa Helena, a Cruz de Santa Helena referem-se a uma viúva beatificada como Santa Helena, a quem um oficial romano, de nome Constâncio Cloro, se uniu e assim  nasceu Constantino, o primeiro imperador cristão. Diz-se também que Santa Helena foi em peregrinação à Terra Santa e que encontrou a verdadeira Cruz do Salvador.

Em becos, temos o Beco da Cruz, que liga a Rua da Cruz dos Poiais à Rua da Paz, em resultado do Edital do Governo Civil de Lisboa de 01/09/1859 que transformou o Beco das Cabras em Beco da Cruz pela proximidade à Rua da Cruz dos Poiais e, para evitar a confusão com o outro Beco das Cabras existente em Lisboa, mencionado nas descrições paroquiais anteriores ao terramoto de 1755 na freguesia da Stª Marinha, o qual a partir do Edital de 17/10/1924 se passou a denominar Beco dos Lóios. Já entre a Rua da Regueira e a Rua do Castelo Picão encontramos o Beco das Cruzes , sabendo-se que este arruamento já ostentava este topónimo em 1770, por constar nas plantas e descrições das freguesias de Lisboa desse ano.

A Calçada da Cruz da Pedra na década de 40 do séc. XX (Foto: Eduardo Portugal, Arquivo Municipal de Lisboa)

A Calçada da Cruz da Pedra na década de 40 do séc. XX
(Foto: Eduardo Portugal, Arquivo Municipal de Lisboa)

E a ligar a Rua da Madre de Deus à Rua de Santa Apolónia, deparamos com a Calçada da Cruz da Pedra, que deve ter começado por ser Cruz de Pedra. Luís Pastor de Macedo, avança que «referindo-se ao dístico desta serventia pública diz Gomes de Brito: aliás Cruz de Pedra, memória das muitos cruzeiros que se levantavam por Lisboa, e nela existentes, averiguadamente, desde o século XV. Efectivamente, a mais antiga referência a esta rua, que até agora encontrámos, ao anunciar-nos o falecimento de Diogo Lopes Sequeira, sucedido em 28 de Janeiro de 1593, diz-nos que ele era morador á cruz de pedra da madre de Ds.(…). Em 1647 ainda se dizia que fulano morava em o caminho de chellas por cima da Cruz de Pedra, mas desde então e até aos nossos dias, a cruz deixou de ser de pedra e passou a ser da pedra. (…) Quanto à sua existência, propriamente como arruamento, não devia ser muito anterior ao citado ano de 1593.» E Norberto de Araújo acrescenta que «Foi este o caminho de Trânsito para se entrar em Lisboa; o traçado da linha primitiva dos caminhos-de-ferro limitou-se, afinal, a acompanhar esta estrada de conveniência. A muralha desta artéria, sobre o rio, foi construída entre 1769 e 1770, onde ficava o forte da Cruz da Pedra.»

Na zona de Caselas também terá havido uma Calçada da Cruz que hoje identificamos como Estrada da Cruz, entre a  Estrada de Caselas e a Rua Horta e Silva. Foi pelo Edital municipal de 16/01/1929 que a Estrada Velha de Caselas passou a denominar-se Estrada da Cruz. No entanto, em 1908, a Planta da Cidade de Júlio Silva Pinto e Alberto de Sá Correia menciona-a como Calçada da Cruz e em 1959, o Decreto-Lei nº 42 142 que regista a nova divisão administrativa da cidade de Lisboa, na delimitação da então novel Freguesia de São Francisco Xavier designa-a como Calçada da Cruz.

Um pouco mais à direita, no Bairro Social de Caselas deparamos com a Rua da Cruz a Caselas, entre a Rua da Igreja e a Rua Sam Levy (que nasceu do Edital municipal de 15/12/1997 num troço da Estrada de Caselas, compreendido entre a Avenida das Descobertas e a Rua da Cruz a Caselas) .

Em Benfica, apresenta-se o Largo da Cruz da Era  na confluência da Travessa do Açougue em Benfica, Largo Ernesto da Silva, Rua República da Bolívia e a Travessa da Cruz da Era que une a Estrada de Benfica ao Largo da Cruz da Era e que já aparece mencionada em 1908 na planta de Júlio Silva Pinto e Alberto de Sá Correia. Em ambos os casos a Era pode ser uma memória rural de «Hera» como aconteceu com a Rua e a Travessa da Hera, na freguesia da Misericórdia, cuja grafia foi em determinada altura modificada.

Pátios da toponímia oficial temos o Pátio da Cruz, na freguesia de Santa Maria Maior, junto ao nº 15 da Rua da Galé.

Passando às Ruas, apresenta-se na freguesia de Alcântara a Rua da Cruz a Alcântara, nascida entre a Rua do Alvito e a Rua de São Jerónimo (a partir de 21/06/1926 Rua Feliciano de Sousa), que era a Rua da Cruz até o Edital municipal de 08/06/1889 lhe acrescentar «a Alcântara».

Rua da Cruz dos Poiais entre 1898 e 1908 (Foto : Arquivo Municipal de Lisboa)

Rua da Cruz dos Poiais entre 1898 e 1908
(Foto : Arquivo Municipal de Lisboa)

Existiam três ruas da Cruz em Lisboa, quando o Edital do Governo de Civil de Lisboa de 01/09/1859 as diferenciou como Rua da Cruz dos Poiais, Rua da Cruz da Carreira e Rua da Cruz de Santa Apolónia.

Rua da Cruz dos Poiais, está entre a Rua dos Poiais de São Bento e a Rua de São Marçal, na freguesia da Misericórdia. Segundo Norberto de Araújo a Rua da Cruz dos Poiais também se chamou Rua dos Cardeais. A Cruz  perpetuada é a Cruz da Esperança, erguida na confluência de quatro artérias – a Rua dos Poiais de São Bento, a Calçada da Estrela, a Rua da Paz (que já existia em 1602 com o nome de Travessa da Peixeira) e a Rua da Cruz dos Poiais -,  sendo uma das muitas cruzes demarcatórias que havia pela cidade, onde as vereações aguardavam as novas dos Reis de Portugal para a simbólica entrega das chaves da cidade.

Rua da Cruz da Carreira, na freguesia de Arroios, entre a Rua Gomes Freire e a Travessa de São Bernardino, é anterior ao  terramoto de 1755 segundo Norberto de Araújo que acrescenta «Tomemos de novo pela Rua da Cruz da Carreira – assim chamada em memória de uma cruz demarcatória, e ao mesmo tempo piedosa, que aqui existiu ainda no começo do século passado [o autor refere-se ao século XIX], como tantas em Lisboa -, e passemos por Gomes Freire (a saudosa Carreira dos Cavalos, campestre e arrabaldina) à Estefânia de hoje.»

Sobre a Rua da Cruz de Santa Apolónia, na freguesia de São Vicente, entre a Calçada dos Barbadinhos e a Rua do Vale de Santo António, esclarece Norberto de Araújo o seguinte «Pois estamos no alto da Calçada de Santa Apolónia; sai-nos, agora, à esquerda, a velha Rua da Cruz de Santa Apolónia, que leva à Rua do Mirante. Era esta artéria, que se continuava, directa, da Calçada da Cruz da Pedra, o caminho natural, por Santa Clara e Paraíso, para a Porta da Cruz, uma das importantes entradas de Lisboa, aberta na muralha de D. Fernando, o que já por mais de uma vez tenho assinalado.(…)»

O cruzeiro da Ajuda encontra-se no Museu do Carmo, mas no local permanece a Rua do Cruzeiro, nas freguesias da Ajuda e de Alcântara que antes da publicação do Edital municipal de 08/06/1889 era a Rua Direita do Cruzeiro, embora também se encontrem registos de que terá também sido denominado por Calçada do Cruzeiro, nomeadamente no Roteiro das Ruas de Lisboa de 1890.

O já mencionado Edital do Governo de Civil de Lisboa de 01/09/1859 também acrescentou a quatro Travessas da Cruz em Lisboa um indicador de localização, passando a designarem-se como Travessa da Cruz de Soure (Misericórdia), Travessa da Cruz do Torel (Santo António e Arroios), Travessa da Cruz do Desterro ( por união da Travessa da Cruz e da Travessa Nova da Bica do Desterro, em Arroios) e Travessa da Cruz aos Anjos (Arroios). Mais tarde, pelo Edital do Governo de Civil de Lisboa de 05/08/1867, também a Travessa de Santana, entre a  Travessa da Cruz do Desterro e a Travessa das Salgadeiras passou a ser a Travessa de Santana da Cruz (Arroios).

E por último, na freguesia da Estrela, junto à Travessa dos Brunos, existe a Travessa da Cruz da Rocha que terá sido o antigo Beco dos Brunos. De acordo com a informação municipal nº 121/2ª/O, a planta da cidade de 1910  identifica esta artéria como Beco dos Brunos.

Travessa da Cruz do Desterro em 1903 (Foto: Machado & Souza, Arquivo Municipal de Lisboa)

Travessa da Cruz do Desterro em 1903
(Foto: Machado & Souza, Arquivo Municipal de Lisboa)

Farinhas e fornos na toponímia de Lisboa

Largo dos Trigueiros - Freguesia de Santa Maria Maior (Foto: Nuno Correia)

Largo dos Trigueiros – Freguesia de Santa Maria Maior
(Foto: Nuno Correia)

O pão como elemento básico da alimentação e os fornos para o cozer marcam presença em inúmeros topónimos da cidade de Lisboa e que perduram nas zonas mais antigas da cidade assim como nas franjas urbanas que se mantiveram essencialmente rurais até ao início do século XX.

Na parte mais antiga da cidade, hoje integrada na Freguesia de Santa Maria Maior, encontramos  o Largo dos Trigueiros, mais o Largo do Terreiro do Trigo, a  Rua do Terreiro do Trigo, as  Escadinhas do Terreiro do Trigo  e a Travessa do Terreiro do Trigo, sendo estes quatros últimos derivados do edifício do Celeiro Público ou Terreiro do Trigo, aqui construído entre 1765 e 1768 sob o traço de Reinaldo Manuel dos Santos, sendo que com este Terreiro do Trigo pombalino, procurava D. José I assegurar «a abundância de pão aos moradores da sua nobre e leal cidade de Lisboa». Mais tarde, o espaço passou a ser o Mercado Central de Produtos Agrícolas até cessar essas funções em 1937 para aí serem instalados serviços alfandegários.

Para a moagem dos cereais, temos topónimos com atafonas e moinhos. Atafona é uma palavra de origem árabe que significa moinho que funciona sem vento nem água mas é antes impulsionado por homens ou por bestas. As artérias que guardaram este nome devem ter tido um engenho destes ou então algum morador do arruamento que fosse atafoneiro, ofício cuja irmandade tinha a invocação de Santo Antão. Em Alfama, subsiste o Beco das Atafonas, já referido em 1712, e junto à Rua das Janelas Verdes, temos a Travessa das Atafonas que perpetua a memória de atafonas por estas paragens e que  segundo Júlio de Castilho seriam do final do século XV . No singular, ainda se regista um Largo e um Beco da Atafona na antiga Freguesia de São Cristóvão e São Lourenço (hoje Santa Maria Maior), sendo que este último, de acordo com Pastor de Macedo, teria sido Rua desde 1694 e até pelo menos 1701 pelo que o Largo só com topónimo atribuído em 1915 deriva o seu nome do Beco. Existe também na Freguesia de São Vicente  um Beco da Mó. Com moinhos encontramos ainda hoje 7 topónimos em zonas altas e ventosas: o Alto dos Moinhos (em São Domingos de Benfica) que apenas um vale o distancia de Monsanto, a Calçada do Moinho de Vento (Freguesias de Arroios e Santo António), a Calçada dos Sete Moinhos ( em Campolide) onde ainda se mantinham alguns no final do séc. XX e a Rua dos Sete Moinhos (Campo de Ourique) pela proximidade à Calçada, a Travessa do Moinho de Vento (Estrela) perto da Rua de Buenos Aires, a Travessa dos Moinhos em Santo Amaro (Alcântara) e Travessa do Moinho Velho na Boa-Hora (Ajuda).

Largo do Peneireiro - Freguesia de Santa maria maior - Placa Tipo I (Foto: Mário Marzagão)

Largo do Peneireiro – Freguesia de Santa Maria Maior – Placa Tipo I
(Foto: Mário Marzagão)

E para escolher os cereais ou as farinhas, ou perpetuar quem vendia peneiras, encontramos ainda no norte lisboeta o Largo das Peneireiras, na zona das antigas quintas da Charneca do séc. XIX , bem como o Largo e o Pátio do Peneireiro em Alfama.

O Beco e a Rua das Farinhas, mais as Escadinhas da Rua das Farinhas são topónimos da Lisboa seiscentista já que Cristóvão de Oliveira no seu Sumário enumera já na Lisboa de 1551 o Beco das Farinhas em Santa Justa e a Rua das Farinhas em S. Lourenço onde ainda hoje as encontramos.

E finalmente nos fornos temos a Travessa do Forno aos Anjos (Freguesia de Arroios), a Travessa do Forno do Maldonado e a Travessa do Forno do Torel que antes foi Beco (ambas na Freguesia de Arroios), e todas dadas pelo Edital do Governo Civil de 01/09/1859, o que denota por um lado, serem topónimos anteriores a esta data e por outro que haveriam em Lisboa várias Travessas do Forno  para haver necessidade de destrinçá-las.

Travessa dos Fornos - Freguesia da Ajuda (Foto: Sérgio Dias)

Travessa dos Fornos – Freguesia da Ajuda
(Foto: Sérgio Dias)

Ainda hoje subsistem mais duas Travessas do Forno: a Travessa do Forno junto à Rua das Portas de Santo Antão ( Freguesia de Santa Maria Maior) e a Travessa dos Fornos na Ajuda, que o Edital municipal de 14/12/1917 reconhece que já  era o «nome porque vulgarmente era conhecida». Assim, é lícito supor que a denominação advém da proximidade à antiga Estrada dos Fornos d’El-Rei. Já numa planta de 1890, anexa a um ofício do engenheiro diretor-geral da CML aparece esta Estrada dos Fornos d’El-Rei, no Rio Seco, e como tal também aparece designada na planta da cidade de 1896, passando a Estrada do Rio Seco na planta de 1911, e pelo edital de 07/08/1911 se torna a Rua Dom João de Castro.

Já os becos são 5 : o Beco do Forno junto do Largo da Severa, o Beco do Forno (a São Paulo) referido no levantamento de 1856 de Filipe Folque, mais o Beco do Forno do Castelo, o Beco do Forno da Galé e o Beco do Forno do Sol junto à Vila Berta, todos com acrescento para aumentar a diferenciação dado pelo Edital do Governo Civil de Lisboa de 01/09/1859.

Por último, lembramos que toponímia lisboeta guarda ainda outra memória deste património português: a Rua da Padaria.

Escadinhas da Rua das Farinhas (Foto; Ana Luísa Alvim)

Escadinhas da Rua das Farinhas
(Foto: Ana Luísa Alvim)

Que Pimenta deu nome ao Pátio?

Freguesia da Misericórdia (Foto: Sérgio Dias)

Freguesia da Misericórdia
(Foto: Sérgio Dias)

Os nºs 30 – 32 do Pátio do Pimenta foram a morada da Revista Contemporânea, periódico em que Ramalho Ortigão colaborou.

Sumario_N.º specimen, [1915] ContemporaneaO Pátio do Pimenta localiza-se entre os nºs 11 e 15 da Rua do Ataíde e já era mencionado em 1856 no Atlas da Carta Topográfica de Lisboa de Filipe Folque. É um dos 17 Pátios lisboetas cujo topónimo é oficial. Este Pátio construído em pedra e tijolo e com uma entrada de características nobres, data de cerca de 1780  o que revela uma pré-existente ocupação do local por uma casa nobre. O arruamento apresenta ainda um edifício do séc. XIX de um só piso.

Sobre a origem do topónimo podemos supor que derive do nome de um morador ou proprietário no local, já que, por exemplo, existe um requerimento de 1890, de uma Carolina Amélia Pimenta solicitando a aprovação de um projeto de alterações no prédio com a numeração de polícia nº26/27 do Pátio do Pimenta. Pouca mais informação se encontra sobre este arruamento, salvo um contrato de prestação de serviços entre a CML e Manuel Croft de Moura para a iluminação e limpeza desta rua, datado de 26 de março de 1909.

Freguesia da Misericórdia

Freguesia da Misericórdia