Uma atafona no Largo que a guardou na memória

No Largo da Atafona, situado entre o Largo do Chão do Loureiro e o Beco da Atafona, foi descoberta uma atafona que comprova a origem do topónimo neste local.

Numa palestra organizada pela CAL- Centro de Arqueologia de Lisboa, no passado dia 17 de setembro de 2019, inserida no Programa Arqueologia do Bairro, os arqueólogos da Cota 80-86.Lda. apresentaram um conjunto de intervenções realizadas no âmbito do Projeto de instalação de ecopontos subterrâneos na cidade de Lisboa, entre as quais a do Largo da Atafona no primeiro semestre de 2018, onde foi encontrada no subsolo uma estrutura  «composta por pedras de médio e grande calibre, trabalhadas de modo a formarem um encaixe semicircular, e um canal no meio. Estão sobre um outro elemento pétreo de formato quadrangular que apresenta um encaixe sensivelmente a meio, mas não perfeitamente alinhado com o encaixe circular das pedras superiores. De fronte deste elemento, outros mais irregulares, mas nitidamente fora de sítio, ou remexidos, provavelmente devido à construção do alicerce» e que «apresenta uma dimensão de 70cm x 60cm (preservados) e 50cm em altura». 

Em termos de datação, considerando «Os materiais recolhidos nas argamassas da estrutura, assim como do enchimento do interface apontam para uma construção para o Século XIII ou XIV, e a sequência estratigráfica, nomeadamente a sua relação com o Silo 14 parecem confirmar essa cronologia», enquanto que sobre a sua função «considerou-se as características da sua construção, dimensões e os encaixes detectados, e parece tratar-se de uma atafona manual». 

Foi assim possível confirmar a tese de que o topónimo provinha da existência de uma atafona no local. Atafona é uma palavra de origem árabe que significa moinho impulsionado por homens ou por bestas e não por vento nem água. A descoberta neste arruamento deste engenho manual do séc. XIV, valida a hipótese de que este topónimo guardaria a memória da presença da atafona no local.

Por permitirem a feitura da farinha para um bem essencial – o pão – as atafonas tiveram em Lisboa, logo em 1469, direito a uma postura em que os almotacés da cidade de Lisboa ordenavam que nenhum atafoneiro ou senhorio de atafona aumentasse o alqueire de trigo mais que três reais, sob pena de pagamento de coima, estabelecida em várias quantias conforme a reincidência do aumento, sendo o acórdão da sentença feito pelos juízes em conjunto com os vereadores e o procurador da cidade. Esta postura foi apregoada por Pedro Lopes, porteiro do concelho. Em 1543, outra postura municipal determinava que o preço de nenhuma pedra de atafona – que designam danosa – fosse vendida por mais de 1000 réis cada (com 3 palmos),  ou 700 réis se de dois palmos ou 500 réis se de um palmo, referindo coimas em dinheiro e dias no tronco.  No séc. XVII, com data de 10 de novembro de 1651, encontramos um registo municipal de autorização para  João de Oliveira e José Antunes, mandarem vir da vila de Sesimbra e seu termo para a cidade de Lisboa todas as pedras de atafona para vender, por um período de seis anos.

Hoje, nas proximidades deste Largo da Atafona existe o Beco da Atafona, cujos prédios com os nºs 18 A, 10, 18, 16, 14, 20, 22 foram dele desanexados para constituir o largo, por deliberação camarária de 12 de agosto e consequente Edital de 14 de agosto de 1915. O Beco surge já registado no Sumário de 1551 de Cristóvão Rodrigues de Oliveira, como «beco datafana» na freguesia de Santa Justa, tal como por Filipe Folque o faz em 1858 na sua cartografia de Lisboa.

Na Lisboa dos nossos dias, para além deste dois topónimos no singular – Beco e Largo da Atafona – existe também no substantivo plural de atafona no Beco das Atafonas, em Alfama, bem como na Travessa das Atafonas junto à Rua das Janelas Verdes.

© CML | DPC | NT e CAL – Centro de Arqueologia de Lisboa | 2019

Publicação municipal de toponímia do Largo Padre Filipe Carreira Rosário

A publicação municipal de toponímia referente ao Largo Padre Filipe Carreira do Rosário, na Freguesia de Carnide, hoje distribuída no decorrer da inauguração oficial deste arruamento, já está online.

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Inauguração do Largo Padre Filipe Carreira Rosário

A Câmara Municipal de Lisboa vai inaugurar o Largo Padre Filipe Carreira Rosário, frente à Igreja de São Lourenço de Carnide, pelas 17:30 horas da próxima quinta-feira, dia 26 de setembro.

Figura muito querida e popular na Freguesia de Carnide, o Padre Filipe Carreira Rosário aí exerceu como pároco durante 16 anos, destacando-se  na resolução de questões sociais e na busca de uma sociedade mais fraterna, particularmente através do seu envolvimento na criação do Centro Dia para a Terceira Idade, do Lar Residencial, da Creche, do Jardim de Infância e do ATL,  no âmbito do Centro Social Paroquial de Carnide.

O Beco de S. Francisco e o Largo da Achada e a passagem do Beco do Esfola Bodes ao da Boa Vista

Beco de São Francisco (na Achada ) em data entre 1898 e 1908
(Foto: Machado & Souza, © CML | DPC | Arquivo Municipal de Lisboa)

O Edital do Governo Civil de Lisboa de sábado 9 de setembro de 1871, integrou parte do Beco de São Francisco no Largo da Achada e continuaram a existir ambos os topónimos que hoje são parte da Freguesia de Santa Maria Maior. Pelo mesmo Edital, o Governo Civil de Lisboa mudou o Beco do Esfola Bodes para Beco da Boavista, no território da hoje Freguesia da Misericórdia.

O Beco de São Francisco e o Largo da Achada

O Beco de São Francisco, que liga o Largo da Achada à Rua das Achada, teve a sua parte compreendida na área do Largo da Achada (lado Sul) incorporada nesse mesmo Largo por Edital do Governo Civil de Lisboa de 9 de setembro de 1871. O olisipógrafo Luís Pastor de Macedo defende que o beco é ainda mais antigo porque «Vemo-lo em 1770 – “Terreirinho de S. Francisco (actual largo da Achada) e seu beco [Róis de desobrigas da freguesia de S. Cristóvão] – mas é de presumir que já existisse muitíssimos anos antes». Registe-se que na planta da remodelação paroquial de 1770, surge na freguesia de São Cristóvão o Terreirinho de São Francisco e o beco da «Axada», enquanto na Freguesia de São Lourenço se regista a «Rua da  Axada» que já Cristóvão Rodrigues de Oliveira menciona no seu Sumário de Lisboa em 1551 como arruamento da Freguesia de S. Cristóvão. Também Norberto de Araújo referiu que «Este sítio da Achada, que foi arrabalde da cidade muçulmana, deve o seu nome, muito antigo e característico, pois já é citado em 1554, ao facto de aqui se encontrar uma pequena planície ou descanço da encosta. “Achada”, com efeito, é uma contracção de “achaada”, terra chã.»

Sobre São Francisco, encontramos na memória paroquial de São Cristóvão, assinada pelo pároco Joaquim Salter de Mendonça em 10 de setembro de 1758, a informação de que a igreja tinha oito altares, estando no corpo da igreja, o altar do Crucificado, onde surgia uma Sagrada Família, e o altar de São Miguel, ladeado por São Sebastião e São Francisco Xavier. Todavia, o Beco de São Francisco pode fixar antes a memória ou a propriedade  do antigo convento de São Francisco da Cidade, influente centro cultural, religioso e social da Lisboa de vários séculos,  que tendo começado numa ermida construída pelos franciscanos em 1217, localizado no Monte Fragoso acabou por dar o nome de São Francisco a essa colina e a diversos topónimos locais.

O Beco do Esfola Bodes em 1856, na cartografia de Filipe Folque

Do Beco do Esfola Bodes ao Beco da Boa Vista de 1871

O mesmo Edital do Governo Civil de Lisboa de sábado 9 de setembro de 1871 alterou a denominação de Beco do Esfola Bodes para Beco da Boa Vista, por referência à proximidade à Rua da Boavista e provavelmente para tornar mais urbano um topónimo rural e violento. Recorde-se que Câmara Municipal de Lisboa em 1834 proibira também o lançamento de cadáveres de cavalos ao Tejo, assim como depois, entre 1847 e 1872 foram naquela zona construídos prédios no seguimento do edifício da Companhia do Gás (de 1846) e foi aberta a Rua da Moeda – antes conhecido como Boqueirão da Moeda, por referência à Casa da Moeda ali instalada desde 1720 -, fundado o Instituto Industrial em 1852 e erguida nova casa da Moeda entre 1889 e 1891. Recorde-se que a Praia da Boa Vista só teve o seu aterro a partir de 1855, sobre o qual nasceu a Praça de D. Luís e a Avenida 24 de Julho.

Se recuarmos à Lisboa de 1551, o relato de Cristóvão Rodrigues de Oliveira apenas  nos menciona a Rua direita da boa vista até à cruz na Freguesia de Nª Sª dos Mártires, assim como o Vale das Chagas e a Calçada da Boa Vista na Freguesia do Loreto. Mas cerca de duzentos anos depois, por uma descrição corográfica das paróquias no dia do terramoto de 1755 já encontramos o «Beco do esfollabodes» tal como a «rua da boavista» na Freguesia de São Paulo, junto à praia da Boavista. E na memória paroquial após o terramoto, em 22 de dezembro de 1759, o vigário de São Paulo, Francisco Xavier Baptista, confirma a existência da rua direita da Boavista e do Becco do Esfolla Bodes, que mesmo uns vinte anos depois davam para uma praia junto ao Tejo. O Beco do Esfola Bodes é ainda o que aparece na cartografia de Filipe Folque de 1856 até que depois do Edital de 1871, a cartografia de Francisco Goullard de 1883 já refere o Beco da Boavista.

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O Largo do Correio Mor de 1867

O Largo do Correio Mor e zona envolvente, numa planta municipal de 1918

O Largo do Correio Mor foi um topónimo oficialmente atribuído por Edital do Governo Civil de 20 de fevereiro de 1867, por sugestão do Conde de Penafiel dirigida ao Governo Civil de Lisboa «para que em consequência das obras e embelezamentos recentemente feitos no local que fica fronteiro ao seu palácio para a parte da Rua Nova de São Mamede, distrito do Bairro do Rossio, seja confirmada ao mesmo local a denominação de Largo do Correio Mor, pela qual era conhecida de tempos antigos».

O serviço de Correio público foi estabelecido por D. Manuel I que em 1520 mandou passar carta de Correio Mor a Luís Homem, um cavaleiro de sua casa. Depois, durante os 191 anos que vão de 1606 a 1797, o ofício de Correio Mor do Reino foi um privilégio dado à família Gomes da Mata.  Em 1797, os serviços de Correio passaram para a alçada da Coroa e foi extinto o ofício de Correio Mor do Reino, pelo que foram dadas várias compensações ao 8.º e último Correio Mor, Manuel José da Mata de Sousa Coutinho, entre as quais o título de Conde de Penafiel, sendo que o seu palácio, o Palácio Penafiel, está localizado nas traseiras deste Largo do Correio-Mor.

O Largo do Correio-Mor está delimitado como arruamento entre a Travessa da Mata (artéria de 1864 que homenageia o Conde de Penafiel usando o seu apelido), a Rua de São Mamede (novo nome da Rua Nova de São Mamede dado por Edital municipal de 08/06/1889) e a Calçada do Conde de Penafiel (em 1858 era ainda denominada como Calçada do Monturo de São Mamede mas já surge com esta denominação em documentação municipal de 1867). Nas proximidades, entre a Rua de São Mamede e a Rua de Santo António da Sé, subsiste também na toponímia a Calçada do Correio Velho, artéria onde de 1606 até 1797 esteve instalado o edifício do serviço de correio, privilégio da família Gomes da Mata, pelo que antes do Terramoto de 1755 se denominava Calçada do Correio. A catástrofe destruiu o prédio do Correio e de 1801 a 1881 o serviço foi instalado no Palácio Marim-Olhão, no nº 38 da Calçada do Combro pelo que este palácio ficou também conhecido como Palácio do Correio-Mor.

Freguesia de Santa Maria Maior

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O Arraial de Belém no Largo Luís Alves Miguel

Freguesia de Belém

Em Belém, no Largo que tem o nome de uma glória da natação do Clube Sportivo de Pedrouços – o Largo Luís Alves Miguel – decorre até amanhã o Arraial de Belém, organizado por esta coletividade no âmbito das Festas de Lisboa 2019, com sons de música popular.

A completar 100 anos no próximo dia 19 de agosto, o Clube Sportivo de Pedrouços continua a dedicar-se a modalidades que a proximidade ao Tejo sempre despoletaram como a natação e a vela, com organização de regatas, para além de outras e de diversas atividades de lazer como nesta época dos Santos Populares.

O Largo Luís Alves Miguel foi atribuído por Edital municipal de 29 de janeiro de 1979, no âmbito das comemorações do 60º aniversário do clube e a pedido da própria associação. Localiza-se esta artéria e topónimo na antiga praceta contida  entre a Rua da Praia de Pedrouços, Travessa do Forte da Areia e Rua Fernão Mendes Pinto, logo junto à Rua de Pedrouços e como tal, perto do Club Sportivo de Pedrouços, para homenagear o seu sócio Luís Alves Miguel (30.06.1900 – 05.02.1977), que foi também seu atleta na natação e no pólo aquático, assim como durante grande parte da sua vida foi seu instrutor de natação na piscina do clube, equipamento que tem também o seu nome.

Luís Alves Miguel foi campeão e recordista nacional em natação, somando inúmeras medalhas de prata e uma de ouro pela Travessia de Lisboa em 12.000 m em 30 de agosto de 1925.

Freguesia de Belém

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Há festa nas ruas da Mouraria

Pelas ruas antigas da Mouraria, Rua do Capelão, Rua João do Outeiro, Rua da Guia, Rua Marquês Ponte de Lima e Largos do Terreirinho e da Severa, se espraia o Arraial do Grupo Desportivo da Mouraria, no âmbito das Festas de Lisboa 2019.

Fundado em 1936 o Grupo Desportivo da Mouraria é também responsável também pela organização da Marcha da Mouraria.

As ruas da Mouraria onde decorre este arraial são das mais antigas de Lisboa. Cristóvão Rodrigues de Oliveira, no seu Sumário de 1551, já mostra a existência nesse ano de 1551 da Rua do Capelão, da Rua da Mouraria, da Rua dos Cavaleiros, da Rua João do Outeiro e da Rua da Amendoeira.

Sobre a Rua do Capelão, já em 1900 o historiador Pedro de Azevedo apontava que o topónimo talvez derivasse do sacerdote da mesquita intitulado capelão e nos anos 30 do séc. XX, o olisipógrafo Norberto de Araújo ,defendeu que o nome da rua advinha de «um oratório armado numa parede, com frente à rua, e que merecia a maior devoção aos habitantes do sítio; às tardes, a população reunia-se, e rezava em conjunto deante da imagem.» Neste arruamento nasceu a Severa e o fadista Fernando Maurício, para além deste topónimo ser o título pelo qual é conhecido o Velho Fado da Severa, composto por Frederico de Freitas para letra de Júlio Dantas para o 1º filme sonoro português – A Severa – , realizado por Leitão de Barros e estreado em 1931.

E foi de um troço da própria Rua do Capelão, compreendido entre o Beco do Forno e a Rua da Guia, que a edilidade lisboeta já no século XX – através do Edital municipal de 18 de dezembro de 1989 – consagrou na toponímia de Lisboa a primeira fadista, Maria Severa Onofriana, com o Largo da Severa.

A Rua João do Outeiro, segundo Norberto de Araújo, perpetua a memória de um abastado proprietário da Ilha de S. Miguel do séc. XVI, que resolveu vir para Lisboa acabar os seus dias naquela zona da Mouraria. Ainda segundo o mesmo jornalista e olisipógrafo, a Rua da Guia fixou-se dois séculos depois em parte do que havia sido Rua do Capelão, porque por volta de 1752 aqui ter existido um oratório armado numa parede que merecia muita devoção dos moradores do sítio.

A Rua Marquês Ponte de Lima foi dada por Edital municipal de 27 de maio de 1902 à Rua João Carlos d’Oliveira (nascida do Edital municipal de 8 de setembro de 1899), para homenagear D. José Maria Xavier de Lima Vasconcelos Brito Nogueira Teles da Silva (Almeida/12.11.1807 – 21.12.1877/Lisboa), o proprietário do Palácio da Rosa, o 3º marquês de Ponte Lima e 20º morgado de S. Lourenço de Lisboa entre outros títulos que possuía, que como militar no exército dos Liberais fez as campanhas de 1827 e 1828, emigrou para os Açores para juntar-se aos que sustentavam a Carta Constitucional e em 1834 tomou assento na Câmara dos Pares.

Finalmente, o Largo do Terreirinho já existia em 1548, de acordo com informação recolhida pelo olisipógrafo Luís Pastor de Macedo que recolheu. Após a remodelação paroquial de 1770 surge o arruamento mencionado como «Praça do Terreirinho» na freguesia do Socorro.

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O Largo do Salvador, o convento e o seu arraial

Freguesia de Santa Maria Maior

Durante este mês de junho o Largo do Salvador é um palco das Festas de Lisboa’19, centro do arraial organizado pelo Centro Cultural Dr. Magalhães Lima, que aqui está sediado no que em tempos foi a igreja do Convento do Salvador, construído sobre a ermida de Jesus Salvador da Mata que deu a origem ao topónimo.

Encontramos o Largo do Salvador na confluência da Rua do Castelo Picão,  Rua da Regueira e Rua Guilherme Braga, tal como nas proximidades a Rua e o Beco com o mesmo topónimo e todos colhem a sua denominação do antigo sítio do Salvador da Mata, da Lisboa medieval logo após a conquista da cidade aos mouros (1147), da primitiva ermida de Jesus Salvador da Mata que evolui para ser a igreja paroquial de São Salvador em 1189 e em 1209 foram criadas em Alfama as Freguesias do Salvador e a  de São João da Praça.

O olisipógrafo Norberto de Araújo esclarece que «Estamos no Largo do Salvador. E do Salvador – porquê? Neste sítio, que no comêço da Lisboa era de todo silvestre, em encosta que acompanhava pelo exterior uma parte da muralha moura, apareceu – segundo rezam as lendas – em certa manhã, espetado no chão do matagal, um crucifixo, e perto dêle uma imagem de N. Senhora com o Menino. Milagre era; naquêle tempo devoto, primeiros anos após a conquista, a notícia correu célere por Lisboa. Logo se ergueu uma ermidinha a Jesus Salvador da Mata, porque mata cerrada era tudo isto por aqui. A ermida teve, pouco depois de erguida, grande concorrência de mulheres penitentes que junto dela fizeram um Recolhimento, já levantado em 1240. O sítio foi-se desbravando, povoando, dando uma pequena freguesia, o que se explica, porque a Ermida era do priorado.» 

O pequeno recolhimento das Beatas de São Salvador da Mata deu origem à fundação do Convento feminino do Salvador em 1391/1392, da Ordem dos Pregadores, pelo bispo do Porto D. João Esteves, no espaço que hoje é do Largo do Salvador. O Convento também foi denominado do Santíssimo Rei Salvador de Lisboa, de São Salvador e do Santo Rei Salvador. Em finais do séc. XVI foi a vez de ser também construído neste Largo o Palácio dos Condes de São Miguel ( ou Palácio dos Condes de Arcos de Valdevez) que se ligou ao Mosteiro pelo denominado Arco do Salvador, estrutura que resistiu ao Terramoto de 1755.

O Mosteiro encerrou em 1884 por morte da última freira e a igreja desvinculada do culto. O Largo do Salvador teve obras de remodelação em 1961, no âmbito da reestruturação de Alfama. A parte da igreja foi entregue à Junta de Freguesia local que por sua vez cedia o espaço ao Centro Cultural Dr. Magalhães Lima desde a sua fundação em 5 de outubro de 1975. Na outra parte do antigo mosteiro feminino dominicano hoje lá encontramos o Hotel Convento do Salvador.

Freguesia de Santa Maria Maior

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Cordoeiros, Santo Antoninho e um arraial na Bica

O Largo de Santo Antoninho (à esquerda) e a Rua dos Cordoeiros (à direita)

No mês de Santo António e dos Santos Populares, encontramos um dos arraiais da Bica a espraiar-se justamente pelo Largo de Santo Antoninho e também pela Rua dos Cordoeiros, promovido pelo Grupo Desportivo Zip Zip, uma associação nascida em 17 de agosto de 1974, com sede na Rua dos Cordoeiros nºs 9 a 15.

O Largo de Santo Antoninho existe na confluência da Calçada da Bica Pequena, Rua dos Cordoeiros e Travessa da Bica Grande, atravessado pelo Elevador da Bica desde que este foi  inaugurado no dia 28 de junho de 1892. As memórias paroquiais de 1758, da freguesia de São Paulo, «cituada esta freguezia em hua praya, da qual se descobre a villa de Almada, e as povoações de Casilhas, Fonte da Pipa, e parte de Caparica», na situação após Terramoto já mencionam este arruamento, mas como Terreirinho de Santo António. Depois, algures no séc. XIX mas ainda antes da implantação do funicular o Terreirinho passou a Largo e Santo António a Santo Antoninho. Em 1852, no traçado de um prédio no n.º 2 a 5 que João Venâncio Nunes pretendia acrescentar, surge como Largo do Terreirinho de Santo Antoninho. Na planta de 1856 de Filipe Folque é já Largo de Santo Antoninho tal como em 12 de abril de 1875, a deliberação de câmara para lhe colocar a cortina do lado ocidental e uma grade de ferro o refere também como Largo de Santo Antoninho.

Curioso é encontrarmos nos documentos municipais, em 1903 e 1905, pedidos de autorização para realizar festas no arruamento, no mês de junho. Em 6 de junho de 1903 é um termo que assina Bento Fernando Lopes, como representante dos moradores do Largo de Santo Antoninho, obrigando-se às condições com que lhes foi concedida a autorização para vedar o mesmo largo e abrir buracos no chão para a ornamentação dos festejos. Em 20 de maio de 1905 é um termo assinado por Bellmiro dos Santos, como representante do Grupo Recreativo do Largo de Santo Antoninho, solicitando  licença para vedar um recinto no mesmo largo e colocação de um coreto e mastros para a promoção de bailes durante o mês de junho.

Já a Rua dos Cordoeiros que liga o Largo de Santo Antoninho à Calçada Salvador Correia de Sá, parece ser uma artéria pelo menos do final do século XVI, já que o Sítio da Bica, na vertente das encostas de Santa Catarina e das Chagas, foi cavado por efeito de um desmoronamento de terras restrito ao local, ocorrido em 22 de julho de 1597 e que se repetiu 25 anos mais tarde. Na planta de 1856 de Filipe Folque está registada a Rua dos Correeiros a terminar na  Calçada de São João Nepomuceno. Os cordoeiros que fabricavam cordas para velas e bandeiras ficaram perpetuados em diversa toponímia lisboeta, enumerando Luís Pastor de Macedo as artérias de Lisboa que evocaram este ofício: «Os cordoeiros ou as cordoarias deram o nome, em Lisboa, às seguintes serventias públicas, pelo menos: à travessa da Cordoaria, na freguesia de Santo Estêvão, nos meados do século XVI, às ruas da Cordoaria Nova e da Cordoaria Velha na freguesia dos Mártires, esta última já classificada de Velha em 1477, à rua dos Cordoeiros que ainda existe compartilhada pelas freguesias de Santa Catarina e de S. Paulo, e à rua dos Cordoeiros em Pedrouços que também mantém ainda este nome. Sabemos ainda que os cordoeiros, em 1821, abancavam no terreiro de S. Pedro de Alcântara e que em 1552 havia na cidade 25 tendas daquele ofício». Refira-se ainda que a existência da Cordoaria Nacional, antiga Real Fábrica da Cordoaria da Junqueira, criado pelo Marquês de Pombal por decreto de 1771.

Freguesia da Misericórdia

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O 25 de Abril e a queda do regime no Largo do Carmo

Uma coluna comandada por Salgueiro Maia sai da Praça do Comércio cerca das 11H30 para o Largo do Carmo, onde  monta cerco ao Quartel do Carmo, no qual estava refugiado Marcelo Caetano. O cerco manteve-se durante as horas seguintes tendo às 18H20 um comunicado do MFA informado o País da rendição de Marcelo Caetano a que se seguiu um outro, às 19H50, anunciando formalmente a queda do Governo.

O Largo lisboeta que deve o seu nome ao Mosteiro de Nossa Senhora do Vencimento do Monte do Carmo, ali mandado erguer por Nuno Álvares Pereira no último quartel do século XIV, foi no dia 25 de abril de 1974 o palco da queda do regime, confirmada às 18:20 horas num comunicado do MFA e reconfirmada às 19:50  num outro emitido pelo Rádio Clube Português.

Por volta das 5 horas da madrugada, o Presidente do Conselho, Marcelo Caetano, foi aconselhado por telefone pelo diretor-geral da PIDE/DGS, major Silva Pais, a refugiar-se no Quartel do Comando-Geral da GNR, no Largo do Carmo. Cerca das 11:30 uma coluna da EPC, comandada por Salgueiro Maia, saiu da Praça do Comércio para montar cerco ao Quartel do Carmo, sendo aclamada pela população ao longo do percurso.

De acordo com Salgueiro Maia, «Pelo meio dia e trinta cerquei o quartel da G.N.R. do Carmo. Foi bastante importante o apoio dado pela população no realizar destas operações pois que além de me indicarem todos os locais que dominavam o quartel e as portas de saída deste, abriram portas, varandas e acessos a telhados para que a nossa posição fosse mais dominante e eficaz. Também nesta altura começaram a surgir populares com alimentos e comida que distribuíram pelos soldados».

Cerca das 15:10 Salgueiro Maia, munido de um megafone,  solicita a rendição de Marcelo Caetano em 10 minutos. Às 15:30, o capitão Maia manda o tenente Santos Silva fazer uma rajada da chaimite sobre as janelas mais altas do Quartel, repetindo o apelo de rendição logo a seguir. O Largo do Carmo está repleto de população. Quarenta e cinco minutos depois, Salgueiro Maia ordena ao alferes miliciano Carlos Beato a instalação dos seus homens no cimo das varandas do edifício da Companhia de Seguros Império para fazer fogo sobre a frontaria do Carmo, com armas automáticas G-3. Quinze minutos depois (16:25) impõe a colocação de um blindado em posição de tiro e chega a começar a contagem que é interrompida pelo tenente Alfredo Assunção, para lhe apresentar Pedro Feytor Pinto (diretor dos Serviços de Informação da Secretaria de Estado da Informação e Turismo) e Nuno Távora,  mensageiros do general Spínola para Marcelo Caetano, que são autorizados a entrar no Quartel.

Às 16:30, Spínola comunicara ao Posto de Comando do MFA ter recebido um pedido de Marcelo Caetano para ser ele a aceitar a rendição do chefe do governo e Otelo concedeu-lhe esse mandato, após recolher a opinião dos presentes. Às 17 horas  Salgueiro Maia entra no Quartel do Carmo e fala com Marcelo Caetano que solicita um oficial-general, António de Spínola, para fazer a transmissão de poderes.

Salgueiro Maia volta ao Largo do Carmo e pede a Francisco Sousa Tavares e a Pedro Coelho – oposicionistas ligados à CEUD e ao PS- para ajudarem a afastar a população. Sousa Tavares sobe para uma guarita da GNR e apela à calma, usando o megafone. Às 17:45 chega ao Largo do Carmo o general Spínola, acompanhado pelo tenente-coronel Dias de Lima, o major Carlos Alexandre Morais, o capitão António Ramos e o Dr. Carlos Vieira da Rocha e passados quinze minutos, após receber de Salgueiro Maia a informação sobre como os membros do Governo serão evacuados, entra acompanhado por ele no interior do Quartel do Carmo. O general Spínola informa Marcelo Caetano dos procedimentos para a sua saída do local e posterior deslocação para a Madeira.

Já em pleno Largo do Carmo, Salgueiro Maia pede à população que abandone o local para se proceder à evacuação do Presidente do Conselho e dos ministros que ali estavam com ele mas o apelo é ignorado. Às 18:20, um comunicado do MFA dá conta ao País da rendição de Marcelo Caetano e dos membros do seu governo. Cinco minutos depois, às ordens de Salgueiro Maia, soldados formam um cordão em frente da porta de armas do Quartel do Carmo e às 19 horas, Marcelo Caetano, Rui Patrício e Moreira Baptista abandonam o Quartel do Carmo, sendo conduzidos na Chaimite Bula para o Quartel da Pontinha. Às 19:50, aos microfones do Rádio Clube Português, um comunicado do MFA anuncia formalmente a queda do Governo:

 Posto de comando do Movimento das Forças Armadas. Continuando a dar cumprimento à sua obrigação de manter o País ao corrente do desenrolar dos acontecimentos, o Movimento das Forças Armadas informa que se concretizou a queda do Governo,tendo Sua Ex.ª o prof. Marcello Caetano apresentado a sua rendição incondicional a Sua Ex.ª o general António de Spínola. O ex-presidente do Conselho, o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros e o ex-ministro do Interior encontram-se sob custódia do Movimento, enquanto Sua Ex.ª o almirante Américo Tomás e alguns ex-ministros do Governo se encontram refugiados em dois aquartelamentos que estão cercados pelas nossas tropas e cuja rendição se aguarda para breve.
O Movimento das Forças Armadas agradece a toda a população o civismo e a colaboração demonstrados de maneira inequívoca desde o início dos acontecimentos, prova evidente de que ele era o intérprete do pensamento e dos anseios nacionais. Continua a recomendar-se a maior calma e a estrita obediência a todas as indicações que forem transmitidas. Espera-se que amanhã a vida possa retomar o seu ritmo normal, por forma a que todos, em perfeita união, consigamos construir um futuro melhor para o País. Viva Portugal!

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