Combros de Lisboa

Calçada do Combro - Freguesia da Misericórdia (Foto: José Pascoal)

Calçada do Combro – Freguesia da Misericórdia
(Foto: José Pascoal)

Combro é sinónimo de cômoro e ambos significam pequena elevação isolada de terreno ou cumeada. Na toponímia de Lisboa ainda encontramos dois combros, um em calçada e outro numa travessa.

Quando o Bairro Alto começava a nascer nos idos do séc. XVI, a Calçada do Combro era parte da Estrada de Santos ou da Horta Navia. Gomes de Brito identifica-a como a calçada da «Bella Vista» referida por Cristóvão Rodrigues de Oliveira no seu Sumário de 1551. Mas no século seguinte, de acordo com o mesmo olisipógrafo e também segundo Norberto de Araújo, aparecia como «Calçada do Congro» em documentos camarários e até numa denúncia feita à Inquisição, ou ainda como «do Congo» por deturpação da lógica toponímica de cômoro, combro ou cumeada. Mais tarde, este arruamento aparece já como Calçada do Combro, nomeadamente numa postura municipal de 26 de maio de 1704, nas plantas das freguesias de Lisboa após o terramoto de 1755 e até num pedido de licença ao Supremo Senado municipal, de 7 de maio de 1792, de José António morador na Calçada do Combro, para vender água do Chafariz da Esperança.

Esta calçada tem no nº 38 o Palácio Marim-Olhão, dos Condes de Castro Marim e dos Marqueses de Olhão, construído no 2º quartel do séc. XVIII, onde mais tarde se instalou o Correio Geral (1801-1881), o jornal Revolução de Setembro (1849-1890), uma conservatória do Registo Civil (no início da República), a Confederação Geral do Trabalho, o jornal A Batalha e as Juventudes Monárquicas. Logo a seguir encontra-se o Palácio  seiscentista do desembargador André Valente de Carvalho que foi também vereador da CML e dá o seu nome a uma Travessa próxima. Ainda do mesmo lado e descendo, encontramos o Convento dos Paulistas ali nascido em 1647 e que após 1834 passou a Sociedade Promotora da Indústria e depois, sucessivamente, a quartel da Guarda Nacional de Lisboa, da Guarda Municipal e desde 1910, da Guarda Nacional Republicana.

E da Calçada do Combro, na freguesia da Misericórdia, vamos para a Estrela, ao encontro da Travessa do Combro, que liga a Rua dos Navegantes à Travessa dos Ferreiros à Lapa, artéria que de acordo com Luís Pastor de Macedo já aparece citada em 1758 mas com a categoria de rua. Na documentação municipal encontra-se ainda uma planta com indicação da venda de um terreno municipal a Guilherme de Oliveira Martins na Travessa do Combro nº 41, em 29 de janeiro de 1903.

 

Travessa do Combro em 1967 (Foto: Augusto de Jesus Fernandes, Arquivo Municipal de Lisboa)

Travessa do Combro em 1967
(Foto: Augusto de Jesus Fernandes, Arquivo Municipal de Lisboa)

A Rua da Margem e o Largo Ocidental

Freguesia do Beato - Placa Tipo II (Foto: Sérgio Dias)

Freguesia do Beato – Placa Tipo II
(Foto: Sérgio Dias)

Já no século XX, dois novos topónimos das décadas de quarenta e cinquenta, ainda usaram a localização geográfica para denominação toponímica, ambos em bairros sociais: o Largo Ocidental no Bairro do Caramão da Ajuda e a Rua da Margem do Novo Bairro do Grilo.

Rua da Margem, no Bairro Novo do Grilo, na freguesia do Beato, foi a denominação gerada pelo Edital municipal de 17/11/1954 para a Rua A do novo Bairro do Grilo, ficando na Rua B a Rua da Quinta da Aduela. A explicação da origem destes topónimos encontra-se na ata da reunião Comissão Municipal de Toponímia de 22 de outubro de 1954:
«Ofício nº 2724, da Repartição de Obras Municipais, datado de 27 de Agosto último, solicitando que sejam atribuídas denominações aos dois arruamentos do novo Bairro do Grilo (presentemente conhecidas por Ruas A e B). Depois de várias considerações acerca da toponímia do local, a Comissão emitiu o parecer de que a Rua A, que margina o referido bairro do lado da linha do Caminho de Ferro, se denomine: “Rua da Margem”, e que a rua B se denomine: “Rua da Quinta da Aduela” nome por que era conhecida a quinta onde foi construído aquele Bairro.»

Largo Ocidental, junto à Rua Preta Constança, no Bairro do Caramão, na freguesia da Ajuda, nasceu do Edital municipal de 02/04/1949, a marcar a sua posição mais ocidental na estrutura do Bairro. Os topónimos do Bairro do Caramão da Ajuda foram sugeridos pela Comissão Municipal de Toponímia, após uma visita ao local em 18/02/1949, sendo a todas as ruas atribuída uma designação numérica, como era habitual fazer nos bairros sociais, salvo este Largo Ocidental,  mais os Largos Pedro Teixeira, da Igreja e do Casal do Gil e ainda a Praça do Caramão. Mais tarde, em 1989, pelo Edital de 18 de dezembro, 10 das artérias numeradas passaram a ter toponímia que recuperou figuras populares e tradicionais da zona ocidental de Lisboa.

Largo Ocidental - Freguesia de Belém

Largo Ocidental – Freguesia da Ajuda

As Ruas Direitas

A Rua Direita da Ameixoeira em 1966 (Foto: João H. Goulart, Arquivo Municipal de Lisboa)

A Rua Direita da Ameixoeira em 1966
(Foto: João H. Goulart, Arquivo Municipal de Lisboa)

Rua Direita era uma designação comum usada para a rua principal de um lugar. E antes de Lisboa se expandir como cidade para os lugares vizinhos já lá existiam as antigas Ruas Direitas, de que hoje ainda sobrevivem quatro: a Rua Direita da Ameixoeira, a Rua Direita ao Lumiar, a Rua Direita de Palma e a Rua Direita de Marvila.

Já no séc. XV, um documento de 11 de setembro de 1420 elaborado pelo escrivão da Almotaçaria Pedro Anes, em nome de Gonçalo Vaz, informava que os almotaçés da cidade de Lisboa ordenavam a proibição de lançar águas sujas na Rua Direita, no caminho que vai desde o forno de Afonso Anes até à porta da Judiaria, assim como obrigavam os moradores da dita rua a mantê-la limpa, sob pena de pagamento de coimas.

Se consultarmos documentação municipal, como projetos de construção ou alteração de prédios, ainda no séc. XIX deparamos com o rasto de muitas ruas direitas: em 1838, a Rua Direita da Boavista; em 1845, a Rua Direita de São Lázaro, a Rua Direita do Loreto e a Rua Direita do Salitre; em 1846, a Rua Direita de São João dos Bem Casados (hoje, Rua Silva Carvalho); em 1847, a Rua Direita da Boa Morte (hoje, Rua do Possolo); em 1848, a Rua Direita de São Paulo; em 1851, a Rua Direita da Junqueira, a Rua Direita do Limoeiro e a Rua Direita de São Sebastião da Pedreira; em 1852, a Rua Direita da Esperança e em 1880, a Rua Direita de São Vicente.

Também a planta de Filipe Folque, produzida entre 1856 e 1858, indica ainda a Rua Direita do Arsenal, a Rua Direita das Escolas Gerais, a Rua Direita da Madre de Deus e a Rua Direita dos Quartéis.

Rua Direita ao Lumiar em 1961 (Foto: Arnaldo Madureira, Arquivo Municipal de Lisboa)

Rua Direita ao Lumiar em 1961
(Foto: Arnaldo Madureira, Arquivo Municipal de Lisboa)

Depois, pelo Edital municipal de 22/08/1881, foi retirada a palavra «direita» às artérias que hoje conhecemos como Rua dos Anjos, Rua de Arroios,  Rua da Costa, Rua das Janela Verdes, Rua da Lapa, Rua das Necessidades, Rua do Sacramento a Alcântara, Rua de Santos-o-Velho. Seguiu-se o  Edital municipal de 08/06/1889 que procedeu de igual forma para firmar a Rua do Açúcar, a Rua de Alcântara, a Rua do Beato, a Rua de Belém, a Rua do Cruzeiro, a Rua da Graça, a Rua do Grilo, a Rua do Lumiar, a Rua de Pedrouços, a Calçada de São Vicente, a Rua do Vale Formoso, a Rua de Xabregas, bem como a Rua do Bom Sucesso (hoje, Rua Bartolomeu Dias)  e a já extinta Rua de Chelas.

Nas que ainda hoje constam das placas toponímicas de Lisboa surge na freguesia de Santa Clara  a Rua Direita da Ameixoeira, entre a Calçada do Poço e o Largo do Terreiro, e que assim era denominada vulgarmente até ser oficializada na toponímia da cidade pelo Edital municipal de 16/06/1928. A Rua Direita da Ameixoeira foi sendo a via de ligação ao Lumiar e a Lisboa.

Na freguesia do Lumiar encontramos a Rua Direita ao Lumiar, que  já existia no séc. XVI como Rua Direita e assim surge na Planta Topográfica de Lisboa de 1907, de Júlio Silva Pinto e Alberto de Sá Correia. Em 1944, a Comissão Municipal de Toponímia procedeu a um levantamento de todos os topónimos em uso na cidade e decidiu que este arruamento se passasse a denominar Rua Direita ao Paço do Lumiar. Em 1950, a Comissão propôs novamente um indicador de localização : Rua Direita do Lumiar.

A Rua Direita de Palma em 1967 (Foto: Augusto de Jesus Fernandes, Arquivo Municipal de Lisboa)

A Rua Direita de Palma em 1967
(Foto: Augusto de Jesus Fernandes, Arquivo Municipal de Lisboa)

Na freguesia de São Domingos de Benfica temos a Rua Direita de Palma, junto ao Caminho de Palma de Cima, surgindo o  sítio de Palma já em 1208, associado a uma transacção de compra e venda de vinhas que eram abundantes no local. Os traços rurais só se foram perdendo com a instalação de primeiras fábricas no sítio de Palma de que se destaca a Sociedade Cerâmica de Palma,  em 1931, que pertenceu à Cerâmica Viúva Lamego e deixou de laborar em 1991.

Finalmente, na freguesia de Marvila está a Rua Direita de Marvila, a ligar a Rua Zófimo Pedroso à Rua Pereira Henriques, oficializada pelo Edital municipal de 21/08/1916.

Rua Direita de Marvila em 1966 (Foto: Augusto de Jesus Fernandes, Arquivo Municipal de Lisboa)

Rua Direita de Marvila em 1966
(Foto: Augusto de Jesus Fernandes, Arquivo Municipal de Lisboa)

A única Rua Esquerda

A Rua Esquerda em 1907, na planta de Júlio Vieira da Silva e Alberto de Sá Correia (Arquivo Municipal de Lisboa)

A Rua Esquerda em 1907, na planta de Júlio Vieira da Silva e Alberto de Sá Correia
(Arquivo Municipal de Lisboa)

Esquerda e Direita também dão nome a ruas de Lisboa. A toponímia da cidade tem uma única Rua Esquerda, no Paço do Lumiar, ao contrário das várias Ruas Direitas que como artéria principal de um lugar existiram por muitas esquinas de Lisboa e foram progressivamente desaparecendo a partir do séc. XIX, sobrevivendo hoje ainda quatro, que serão assunto do nosso artigo de amanhã.

Rua Esquerda não é uma singularidade lisboeta já que em Portugal existem pelo menos uma Rua Esquerda em Torres Novas e outra na Marinha Grande.

A alfacinha Rua Esquerda, começa na Rua Direita e termina no Largo de São Sebastião, e adquiriu o seu topónimo justamente por referência geográfica oposta à Rua Direita onde se inicia e  que já aparece mencionada em documentação seiscentista. Em documentação municipal,  surge a Rua Esquerda apenas referida em 1907 na planta de Lisboa de Júlio Silva Pinto e Alberto de Sá Correia.

Nesta artéria podemos encontrar a Quinta dos Azulejos, uma das antigas quintas de recreio do Paço do Lumiar, construída provavelmente no início do séc. XVII, e reconstruída no séc. XVIII a que se somaram alterações no séc. XIX. Os azulejos que dão nome à Quinta são provenientes da Fábrica do Rato (1779-1780). Aqui viveram episodicamente, Dona Maria I e António Feliciano de Castilho. Sabe-se ainda que no 1º quartel do séc. XX pertencia a Henrique Scholtz e desde o final de 1935 que está nela instalado o Colégio Manuel Bernardes.

A Rua Esquerda em 1968 (Foto: Arnaldo Madureira, Arquivo Municipal de Lisboa)

A Rua Esquerda em 1968 (Foto: Arnaldo Madureira, Arquivo Municipal de Lisboa)

Ruas afuniladas

Travessa do Funil em 1949 (Foto: Eduardo Portugal; Arquivo Municipal de Lisboa)

Travessa do Funil em 1949
(Foto: Eduardo Portugal, Arquivo Municipal de Lisboa)

A zona mais antiga de Lisboa, que ainda hoje preserva um emaranhado de ruas estreitas e medievais, está contida na freguesia de Santa Maria Maior que assim possui as três artérias alfacinhas cuja configuração afunilada se fixou também no topónimo.

São elas as já referidas Beco do Funil (entre a Rua de São Tomé e a Rua dos Cegos),  Beco do Alfurja (junto ao nº 44 da Rua da Regueira) sendo Alfurja derivada do árabe al-fujra que significa rua estreita ou o local onde se despejavam os detritos domésticos, e a Travessa do Funil.

Esta Travessa  do Funil, paralela à Travessa do Chão da Feira, está muito próxima do Castelo de São Jorge e será dos primórdios da Lisboa Cristã. Luís Pastor de Macedo aponta como primeiras referências escritas deste topónimo o tombo da freguesia do ano de 1755 como Rua do Funil, tal como as descrições paroquiais de 1769 e 1770, ora como rua ora como beco.

Ainda segundo o mesmo olisipógrafo «O edital do Governo Civil de 1 de Setembro de 1859 dividiu a artéria em duas partes. A superior, desde o pátio de D. Fradique até ao largo do Contador-mor, continuou a denominar-se do Funil mas com a categoria de travessa; a inferior, desde aquele largo até ao de Santa Luzia, passou a denominar-se travessa de Santa Luzia» e assim esta Travessa do Funil liga hoje a Rua do Chão da Feira ao Largo do Contador-Mor.

Travessa do Funil - Freguesia de Santa Maria Maior

Travessa do Funil – Freguesia de Santa Maria Maior

O par de ruas em cotovelo

Cotovelo Beco Em 1856 a planta da Lisboa de Filipe Folque menciona como Beco do Cotovelo a que hoje designamos como Travessa do Cotovelo

Em 1856 a planta da Lisboa de Filipe Folque menciona como Beco do Cotovelo a que hoje designamos como Travessa do Cotovelo (carregue na imagem para ver maior)

Se Lisboa fosse um corpo humano as esquinas das suas artérias seriam cotovelos, mas Lisboa tem até uma Travessa e uma Rua do Cotovelo.

Travessa do Cotovelo,  que liga a Rua do Arsenal ao Largo do Corpo Santo,  nas freguesias da Misericórdia e de Santa Maria Maior, tem um formato que sugere justamente um cotovelo e daí lhe adveio o topónimo que se fixou na memória de Lisboa. Os documentos municipais referem esta artéria a partir do século XIX: em 1856 na planta de Filipe Folque como Beco do Cotovelo e partir daí sempre como Travessa, surgindo em 1857, num prospeto de trocar janelas por varandas num prédio do nº 10 a 15 do arruamento; em 1881 no levantamento topográfico de Francisco Goullard; em 1899 num projeto para a construção de um túnel entre o Largo do Pelourinho e  esta Travessa e, em 1907, na Planta Topográfica de Lisboa de Júlio Silva Pinto e Alberto Correia de Sá.

Já a Rua do Cotovelo, em Campolide, no Bairro da Liberdade, já era assim identificada pelo vulgo desde a década de 40 do séc. XX e o Edital municipal de 12/04/1995 apenas a oficializou em conjunto com a Rua de S. Jacob, a Rua da Samaritana e a Rua da Capela. As construções deste bairro começaram em 1910 e estenderam-se até 1924 e apesar das 4 ruas mencionadas serem paralelas umas às outras e a direito, poderá supor-se que em alguma altura a Rua do Cotovelo teve essa configuração.

Rua do Cotovelo - Freguesia de Campolide

Rua do Cotovelo – Freguesia de Campolide

 

As Cruzes da Toponímia de Lisboa

Rua das Flores de Santa Cruz em 1907 quando era Rua das Flores do Castelo (Foto: Arquivo Municipal de Lisboa)

Rua das Flores de Santa Cruz em 1907 quando era denominada como Rua das Flores do Castelo
(Foto: Arquivo Municipal de Lisboa)

Diz-se que cada um carrega a sua cruz mas Lisboa dos nossos dias carrega 25 na sua toponímia, sendo 2 cruzes simples, dois becos com as suas cruzes, uma calçada, uma estrada, um largo, um pátio e mais 6 ruas e 7 travessas com cruz,  uma rua com cruzeiro e a Rua do Crucifixo. O cristianismo espalhou vários tipos de cruzeiros e cruzes nas ruas, nas estradas ou nos caminhos, de materiais diversos, pedra ou madeira e foram abundantes na cidade de Lisboa, tendo desaparecido progressivamente com as várias modificações urbanísticas que a cidade sofreu ao longo dos tempos.

Já publicámos a Rua de Santa Cruz do Castelo e o Largo de Santa Cruz dos Castelo, mas não a Rua das Flores de Santa Cruz  que era a Rua das Flores do Castelo até o Edital do Governo Civil de 1 de setembro de 1859 a tornar Rua das Flores de Santa Cruz. Todos estes três topónimos recebem o nome da vizinhança à igreja de Santa Cruz da Alcáçova, depois chamada de Santa Cruz do Castelo, que já aparece mencionada num documento de 25 de maio de 1168 e que segundo o olisipógrafo Norberto de Araújo « Assentou neste lugar a mesquita moura, sagrada logo depois da Conquista, e onde entrou, em procissão e cortejo real, Afonso Henriques, na tarde de 25 de Outubro de 1147».

Cruzes da Sé (Foto: Mário Marzagão, 2012)

Cruzes da Sé
(Foto: Mário Marzagão, 2012)

Ainda na freguesia de Santa Maria Maior, um pouco mais abaixo encontramos as Cruzes da Sé,  a fazer a ligação do Largo da Sé com a Rua de São João da Praça e como tal nas costas da Sé. De acordo com Luís Pastor de Macedo,  já aparece referida num livro de óbitos de 1690 e no século XVIII, « Fugitivamente deu-se o nome de Largo da Caridade a uma parte das Cruzes da Sé, naturalmente a que ficava e fica diante da ermida. Hoje, e desde há muitíssimos anos, mas depois do advento do regime republicano, está nela instalada a Junta de Freguesia da Sé e S. João da Praça.»

Já em São Vicente está a Cruz de Santa Helena, entre o Largo do Outeirinho da Amendoeira e a Calçada de São Vicente, designação que deverá ser anterior ao Terramoto de 1755. Tal como o Beco de Santa Helena, a Cruz de Santa Helena referem-se a uma viúva beatificada como Santa Helena, a quem um oficial romano, de nome Constâncio Cloro, se uniu e assim  nasceu Constantino, o primeiro imperador cristão. Diz-se também que Santa Helena foi em peregrinação à Terra Santa e que encontrou a verdadeira Cruz do Salvador.

Em becos, temos o Beco da Cruz, que liga a Rua da Cruz dos Poiais à Rua da Paz, em resultado do Edital do Governo Civil de Lisboa de 01/09/1859 que transformou o Beco das Cabras em Beco da Cruz pela proximidade à Rua da Cruz dos Poiais e, para evitar a confusão com o outro Beco das Cabras existente em Lisboa, mencionado nas descrições paroquiais anteriores ao terramoto de 1755 na freguesia da Stª Marinha, o qual a partir do Edital de 17/10/1924 se passou a denominar Beco dos Lóios. Já entre a Rua da Regueira e a Rua do Castelo Picão encontramos o Beco das Cruzes , sabendo-se que este arruamento já ostentava este topónimo em 1770, por constar nas plantas e descrições das freguesias de Lisboa desse ano.

A Calçada da Cruz da Pedra na década de 40 do séc. XX (Foto: Eduardo Portugal, Arquivo Municipal de Lisboa)

A Calçada da Cruz da Pedra na década de 40 do séc. XX
(Foto: Eduardo Portugal, Arquivo Municipal de Lisboa)

E a ligar a Rua da Madre de Deus à Rua de Santa Apolónia, deparamos com a Calçada da Cruz da Pedra, que deve ter começado por ser Cruz de Pedra. Luís Pastor de Macedo, avança que «referindo-se ao dístico desta serventia pública diz Gomes de Brito: aliás Cruz de Pedra, memória das muitos cruzeiros que se levantavam por Lisboa, e nela existentes, averiguadamente, desde o século XV. Efectivamente, a mais antiga referência a esta rua, que até agora encontrámos, ao anunciar-nos o falecimento de Diogo Lopes Sequeira, sucedido em 28 de Janeiro de 1593, diz-nos que ele era morador á cruz de pedra da madre de Ds.(…). Em 1647 ainda se dizia que fulano morava em o caminho de chellas por cima da Cruz de Pedra, mas desde então e até aos nossos dias, a cruz deixou de ser de pedra e passou a ser da pedra. (…) Quanto à sua existência, propriamente como arruamento, não devia ser muito anterior ao citado ano de 1593.» E Norberto de Araújo acrescenta que «Foi este o caminho de Trânsito para se entrar em Lisboa; o traçado da linha primitiva dos caminhos-de-ferro limitou-se, afinal, a acompanhar esta estrada de conveniência. A muralha desta artéria, sobre o rio, foi construída entre 1769 e 1770, onde ficava o forte da Cruz da Pedra.»

Na zona de Caselas também terá havido uma Calçada da Cruz que hoje identificamos como Estrada da Cruz, entre a  Estrada de Caselas e a Rua Horta e Silva. Foi pelo Edital municipal de 16/01/1929 que a Estrada Velha de Caselas passou a denominar-se Estrada da Cruz. No entanto, em 1908, a Planta da Cidade de Júlio Silva Pinto e Alberto de Sá Correia menciona-a como Calçada da Cruz e em 1959, o Decreto-Lei nº 42 142 que regista a nova divisão administrativa da cidade de Lisboa, na delimitação da então novel Freguesia de São Francisco Xavier designa-a como Calçada da Cruz.

Um pouco mais à direita, no Bairro Social de Caselas deparamos com a Rua da Cruz a Caselas, entre a Rua da Igreja e a Rua Sam Levy (que nasceu do Edital municipal de 15/12/1997 num troço da Estrada de Caselas, compreendido entre a Avenida das Descobertas e a Rua da Cruz a Caselas) .

Em Benfica, apresenta-se o Largo da Cruz da Era  na confluência da Travessa do Açougue em Benfica, Largo Ernesto da Silva, Rua República da Bolívia e a Travessa da Cruz da Era que une a Estrada de Benfica ao Largo da Cruz da Era e que já aparece mencionada em 1908 na planta de Júlio Silva Pinto e Alberto de Sá Correia. Em ambos os casos a Era pode ser uma memória rural de «Hera» como aconteceu com a Rua e a Travessa da Hera, na freguesia da Misericórdia, cuja grafia foi em determinada altura modificada.

Pátios da toponímia oficial temos o Pátio da Cruz, na freguesia de Santa Maria Maior, junto ao nº 15 da Rua da Galé.

Passando às Ruas, apresenta-se na freguesia de Alcântara a Rua da Cruz a Alcântara, nascida entre a Rua do Alvito e a Rua de São Jerónimo (a partir de 21/06/1926 Rua Feliciano de Sousa), que era a Rua da Cruz até o Edital municipal de 08/06/1889 lhe acrescentar «a Alcântara».

Rua da Cruz dos Poiais entre 1898 e 1908 (Foto : Arquivo Municipal de Lisboa)

Rua da Cruz dos Poiais entre 1898 e 1908
(Foto : Arquivo Municipal de Lisboa)

Existiam três ruas da Cruz em Lisboa, quando o Edital do Governo de Civil de Lisboa de 01/09/1859 as diferenciou como Rua da Cruz dos Poiais, Rua da Cruz da Carreira e Rua da Cruz de Santa Apolónia.

Rua da Cruz dos Poiais, está entre a Rua dos Poiais de São Bento e a Rua de São Marçal, na freguesia da Misericórdia. Segundo Norberto de Araújo a Rua da Cruz dos Poiais também se chamou Rua dos Cardeais. A Cruz  perpetuada é a Cruz da Esperança, erguida na confluência de quatro artérias – a Rua dos Poiais de São Bento, a Calçada da Estrela, a Rua da Paz (que já existia em 1602 com o nome de Travessa da Peixeira) e a Rua da Cruz dos Poiais -,  sendo uma das muitas cruzes demarcatórias que havia pela cidade, onde as vereações aguardavam as novas dos Reis de Portugal para a simbólica entrega das chaves da cidade.

Rua da Cruz da Carreira, na freguesia de Arroios, entre a Rua Gomes Freire e a Travessa de São Bernardino, é anterior ao  terramoto de 1755 segundo Norberto de Araújo que acrescenta «Tomemos de novo pela Rua da Cruz da Carreira – assim chamada em memória de uma cruz demarcatória, e ao mesmo tempo piedosa, que aqui existiu ainda no começo do século passado [o autor refere-se ao século XIX], como tantas em Lisboa -, e passemos por Gomes Freire (a saudosa Carreira dos Cavalos, campestre e arrabaldina) à Estefânia de hoje.»

Sobre a Rua da Cruz de Santa Apolónia, na freguesia de São Vicente, entre a Calçada dos Barbadinhos e a Rua do Vale de Santo António, esclarece Norberto de Araújo o seguinte «Pois estamos no alto da Calçada de Santa Apolónia; sai-nos, agora, à esquerda, a velha Rua da Cruz de Santa Apolónia, que leva à Rua do Mirante. Era esta artéria, que se continuava, directa, da Calçada da Cruz da Pedra, o caminho natural, por Santa Clara e Paraíso, para a Porta da Cruz, uma das importantes entradas de Lisboa, aberta na muralha de D. Fernando, o que já por mais de uma vez tenho assinalado.(…)»

O cruzeiro da Ajuda encontra-se no Museu do Carmo, mas no local permanece a Rua do Cruzeiro, nas freguesias da Ajuda e de Alcântara que antes da publicação do Edital municipal de 08/06/1889 era a Rua Direita do Cruzeiro, embora também se encontrem registos de que terá também sido denominado por Calçada do Cruzeiro, nomeadamente no Roteiro das Ruas de Lisboa de 1890.

O já mencionado Edital do Governo de Civil de Lisboa de 01/09/1859 também acrescentou a quatro Travessas da Cruz em Lisboa um indicador de localização, passando a designarem-se como Travessa da Cruz de Soure (Misericórdia), Travessa da Cruz do Torel (Santo António e Arroios), Travessa da Cruz do Desterro ( por união da Travessa da Cruz e da Travessa Nova da Bica do Desterro, em Arroios) e Travessa da Cruz aos Anjos (Arroios). Mais tarde, pelo Edital do Governo de Civil de Lisboa de 05/08/1867, também a Travessa de Santana, entre a  Travessa da Cruz do Desterro e a Travessa das Salgadeiras passou a ser a Travessa de Santana da Cruz (Arroios).

E por último, na freguesia da Estrela, junto à Travessa dos Brunos, existe a Travessa da Cruz da Rocha que terá sido o antigo Beco dos Brunos. De acordo com a informação municipal nº 121/2ª/O, a planta da cidade de 1910  identifica esta artéria como Beco dos Brunos.

Travessa da Cruz do Desterro em 1903 (Foto: Machado & Souza, Arquivo Municipal de Lisboa)

Travessa da Cruz do Desterro em 1903
(Foto: Machado & Souza, Arquivo Municipal de Lisboa)

Ruas com miradouros

Rua do Mirante em 1902 (Foto: Machado & Souza, Arquivo Municipal de Lisboa)

Rua do Mirante em 1902
(Foto: Machado & Souza, Arquivo Municipal de Lisboa)

Ao contrário dos ponteiros do relógio, vamos de oriente para ocidente ao encontro dos miradouros que ainda estão registados na toponímia oficial de Lisboa.

Na freguesia de São Vicente está a Rua do Mirante, a  ligar a Calçada dos Cesteiros à Rua Diogo do Couto, firmado na tradição popular de denominar os arruamentos pelas suas características. Nas proximidades ficam o Beco do Mirante , o Outeirinho do Mirante e a Rua de Entre Muros do Mirante. Em todos estes topónimos se destaca a particularidade de um sítio mais alto com boas vistas e no  processo municipal 32548/71  que se socorre de uma planta de 1878, ficamos a saber que o hoje Outeirinho do Mirante se denominava então Altinho do Mirante. Apenas a Rua de Entre Muros do Mirante tem Edital, do Governo Civil de Lisboa, datado de 05/08/1867  e para acrescentar «do Mirante» à já antiga Rua de Entre Muros.

Ainda em São Vicente, no vulgarmente conhecido como Miradouro da Graça está o topónimo Miradouro Sophia de Mello Breyner Andresen, por se situar na proximidade da casa onde a poeta residiu.

Calçada do Mirante à Ajuda - Placa Tipo II (Foto: Sérgio Dias)

Calçada do Mirante à Ajuda – Placa Tipo II
(Foto: Sérgio Dias)

A ocidente, temos ainda a Calçada do Mirante à Ajuda, situada num ponto alto da zona circundante do Palácio Nacional da Ajuda onde se pode encontrar o Jardim das Damas e a Sala da Física do Paço Velho, entre a Rua do Cruzeiro e a Calçada da Ajuda. Era a Rua do Mirante até o Edital de  26/09/1916 oficializar um conjunto de 55 topónimos que haviam sido herdados do  extinto Concelho de Belém, a pedido da Junta de Freguesia da Ajuda.

Finalmente, surge a Rua do Miradouro no Bairro Social de Caselas, uma das poucas com denominação própria atribuída pelo Edital municipal de 15/03/1950 neste Bairro. Para além da Rua do Miradouro,  Rua do Casal da Raposa, Rua do Gabarete, Rua do Gravato e Rua da Igreja, todas as outras artérias deste Bairro construído de 1944 a 1949 e inaugurado em 28 de abril de 1949 pelo Ministro do Interior, em comemoração do 21º aniversário da entrada de Salazar para o governo da nação, ficaram com denominação numérica.

Rua do Miradouro - Freguesia de Belém

Rua do Miradouro – Freguesia de Belém

 

 

As Ruas com Bicas de Água

Rua da Bica de Duarte Belo e inicío da Calçada da Bica Pequena em 1915 (Foto: Joshua Benoliel, Arquivo Municipal de Lisboa)

Rua da Bica de Duarte Belo e início da Calçada da Bica Pequena, em 1915
(Foto: Joshua Benoliel, Arquivo Municipal de Lisboa)

Durante muito tempo os chafarizes, também vulgarmente conhecidos como bicas, foram fundamentais no abastecimento de água aos lisboetas, restando ainda 9 topónimos que guardam a memória de bicas na cidade. Para além das já publicadas Rua da Bica de Duarte Belo e Calçada da Bica Grande persistem mais 7 de que vamos dar conta, seguindo de ocidente para oriente.

Na Ajuda, encontramos a Rua da Bica do Marquês que havia sido a Rua da Bica mas que por Edital municipal de 26/09/1916 passou a denominar-se Rua Alegre e por novo Edital de 08/02/1918 se tornou a Rua da Bica do Marquês,  com início na Rua de Dom Vasco e fim na Calçada da Ajuda.

Já na freguesia da Misericórdia, no Bairro da Bica, deparamos com a Travessa da Bica Grande, que  liga a Calçada da Bica Grande ao Largo de Santo Antoninho e deriva a sua denominação da Calçada onde nasce, assim como a Calçada da Bica Pequena, por oposição à Calçada anteriormente mencionada, indo desde o  nº 242 da Rua de São Paulo até à Rua da Bica de Duarte Belo.  Norberto de Araújo argumenta até que Bica Grande e Bica Pequena podem ter sido apenas denominações dadas com o sentido de Calçada Grande e Calçada Pequena. No entanto, perto da Calçada da Bica Grande existe um grande tanque setecentista no Pátio do Broas e junto ao nº 32 da Rua da Boavista, está a Bica dos Olhos, propriedade que foi de Duarte Belo e  à qual foram atribuídas propriedade curativas nas maleitas dos olhos, com a data inscrita de 1675 que tanto pode ser a de construção como a de remodelação.

Chegando a Arroios temos a Travessa da Bica aos Anjos, a ligar a Travessa do Forno aos Anjos à Rua dos Anjos, adiantando Norberto de Araújo que tanto esta como as Travessas da Cruz, do Maldonado e do Forno são todas anteriores ao Terramoto.

Em São Vicente a Rua da Bica do Sapato,  entre a Calçada de Santa Apolónia e a Rua dos Caminhos de Ferro, como aponta Norberto de Araújo, «deriva seu nome de uma bica ou fonte que datava de 1674, em 1853 substituida por um Chafariz nº 21, desaparecido também. Hoje [o autor escreve nos anos 30 do século XX] vês cerca do seu local um marco fontenário de recente colocação». Na mesma freguesia oferece-se o Beco da Bica do Sapato cujo topónimo deriva da proximidade à Rua da Bica do Sapato.

E finalmente chegados ao oriente, à freguesia do Parque das Nações, topamos com o Largo das Bicas, entre o Passeio dos Fenícios e o Passeio das Garças, incluído no Edital municipal de 06/05/2015 que oficializou a toponímia herdada da Expo 98.

Rua da Bica do Sapato, 1951 (Foto: Eduardo Portugal)

Rua da Bica do Sapato, 1951
(Foto: Eduardo Portugal, Arquivo Municipal de Lisboa)

 

Ruas com Arcos

Rua do Arco da Torre em 1940 (Foto: Eduardo Portugal, Arquivo Municipal de Lisboa)

Rua do Arco da Torre em 1940
(Foto: Eduardo Portugal, Arquivo Municipal de Lisboa)

Para além de arcos já desaparecidos ou que não se fixaram na toponímia alfacinha, Lisboa guarda ainda hoje 21 artérias onde estão presentes Arcos que passamos a enumerar, de ocidente para oriente.

Em Belém, encontramos as antigas Rua do Arco da Torre e a Travessa do Arco da Torre, paralelas à Avenida da Torre de Belém. Ora, a antiga Casa do Governador do Forte do Bom Sucesso e onde Almeida Garrett morou em 1852, sita na Rua do Arco da Torre tem justamente um arco que fica fronteiro à Torre de Belém, ou como escreve Luís Pastor de Macedo «Tira o nome do arco que se abre defronte da Rua da Praia do Bom Sucesso e que dá passagem para a Avenida da Índia e para a Torre de Belém.»

Já em Campolide, deparamos com a Rua dos Arcos,  arruamento central do Bairro do Alto da Serafina que ganhou esta denominação por acompanhar parte do percurso dos arcos do Aqueduto das Águas Livres. Esta era a Rua 4 do Bairro da Serafina, atribuída pelo Edital municipal de 15/03/1950, mas popularmente conhecida como Rua dos Arcos e assim ficou oficialmente desde a publicação do Edital de 28/12/1989.

Estendendo-se pelas freguesias de Campolide e Campo de Ourique está a Rua do Arco do Carvalhão, que Norberto de Araújo indica que antes tinha o nome de Rua do Sargento-Mor. O Arco é do Aqueduto e o Carvalhão era o nome pelo qual era conhecido o futuro Marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo, que nesta zona possuía terrenos desde a Cruz das Almas até à ribeira de Alcântara com casas, olivais, pedreiras, nomeadamente a da Cascalheira, fornos de cal, moinhos e azenhas.

E ainda em Campolide, temos a Rua do Meio ao Arco do Carvalhão, que já referimos nos artigo «Ruas do Meio».

A Rua do Arco a São Mamede, entre 1898 a 1908 (Foto: Arquivo Municipal de Lisboa)

A Rua do Arco a São Mamede, entre 1898 a 1908
(Foto: Arquivo Municipal de Lisboa)

Já nas freguesias de Campo de Ourique e Santo António, deparamos com a Rua do Arco a São Mamede que liga a Rua de São Bento à Rua da Escola Politécnica, que já aparece referida nas plantas da cidade após a remodelação paroquial de 1770.  A ligação desta artéria ao século XVIII fica ainda mais vincada se nos lembrarmos que o seu nome deriva do facto desta artéria ostentar um dos 127 arcos do Aqueduto das Águas Livres que começou a fornecer água à cidade de Lisboa a partir de 1748, aumentando de 6 para 15 litros o volume de água diário que cada cidadão de Lisboa dispunha.  Durante séculos foi conhecida como Rua do Arco e só em 1953, por parecer da Comissão Municipal de Toponímia homologado pelo Vice-Presidente da CML no dia 21 de outubro é que recebeu de acrescento as palavras «a São Mamede».

Já na freguesia da Estrela, na zona da Lapa, encontramos a Rua do Arco do Chafariz das Terras,  denominação que deve ser do final do século XVIII já que a denominação deriva do Chafariz das Terras, construído em 1791, um pouco mais a norte desta artéria. O chafariz que hoje vemos data de 1867. Assim, o topónimo refere um dos arcos do Aqueduto das Águas Livres a partir do qual derivava a água para o chafariz que a ele se encosta.

Ainda na freguesia da Estrela, ligando a Praça da Armada à Rua Vieira da Silva temos a Rua do Arco a Alcântara, cuja denominação se explica por nela existir uma poterna – porta falsa de uma fortificação – do pano de muralha do Baluarte do Sacramento. Este Baluarte contíguo ao Convento do Sacramento, fez parte da projectada defesa de Lisboa do séc. XVII e começou a ser construído em 1650, na Quinta do Marquês de Marialva, que chegava à beira-rio e onde aquele organizara uma conspiração contra Filipe II, diz-se que à sombra de uma alfarrobeira pelo que o baluarte também foi conhecido por Forte de Alfarrobeira. O Terramoto de 1755 quase o destruiu mas ainda aparecia nas plantas de Lisboa da primeira metade do século XIX. Em parte da sua área veio a ser construído em 1865 o Quartel de Marinheiros que deu nome à actual Praça da Armada e na outra parte, cedida à edilidade, foi construída parte da Avenida 24 de Julho.

Seguindo para as freguesias de Santo António e Misericórdia deparamos com o Arco do Evaristo,  arruamento entre a Rua da Mãe D’Água e a Rua D. Pedro V, na zona do Alto do Penalva ou do Marquês de Penalva, que ali morou, e poderá estar ligado à informação que  Luís Pastor de Macedo dá de «(…) Nos verbetes da Câmara Municipal declara-se que esta serventia pública [Alto do Penalva] se denominou também pátio da Evarista o que ainda não achámos confirmado por qualquer outra via.»

Travessa do Arco de Jesus - Placa Tipo II (Foto: Mário Marzagão, 2012)

Travessa do Arco de Jesus – Placa Tipo II
(Foto: Mário Marzagão, 2012)

Ainda na freguesia da Misericórdia está a Travessa do Arco a Jesus,  desde a publicação do Edital municipal de 08/02/1884, a ligar a Travessa da Horta à Rua da Academia das Ciências, em resultado da proximidade ao Convento de Jesus que foi construído em 1615, inaugurado em 1632 e reconstruído depois do Terramoto, com o traço do arqº Joaquim de Oliveira.

Seguimos agora para a a freguesia de Santa Maria Maior onde surge o Arco de Jesus , situado entre o Campo das Cebolas e a Rua de São João da Praça e cuja denominação provém de uma imagem do Menino Jesus colocada sobre o fecho do arco, pelo lado inferior e que já existiria em 1627. Este arco correspondia à Porta da muralha da Cerca moura, onde segundo o Padre Castro, embora não o prove, a cidade foi invadida pelos cruzados que auxiliaram D. Afonso Henriques na tomada de Lisboa aos mouros.

Já entre a Rua dos Bacalhoeiros e a Rua Afonso de Albuquerque apresenta-se o Arco das Portas do Mar que faz referência a uma das portas da muralha (da Cerca Moura de D. Afonso Henriques), a Porta Nova do Mar, e que ainda não existia no século XII.

Também entre a Rua dos Bacalhoeiros e a Rua Afonso de Albuquerque topamos com o Arco da Conceição, que se apresenta em túnel com um escadinha apertada e íngreme e no seu interior existe um oratório a Nossa Senhora da Conceição de onde advém o topónimo. Esta artéria já se denominou Passadiço de Gaspar Pais (1657), Passadiço que sobe da Ribeira para a Cruzes da Sé (1676), Passadiço da Ribeira (1755), Passadiço da Ribeira Velha (1801), Arco da Senhora da Conceição (1804) e Passadiço da Conceição (1807). A designação que hoje vemos vigora desde 1822.

Beco do Arco Escuro - Placa Tipo I (Foto: Sérgio Dias)

Beco do Arco Escuro – Placa Tipo I
(Foto: Sérgio Dias)

E ainda a começar na Rua dos Bacalhoeiros surge o Arco Escuro,  que fazia parte da cerca moura de Lisboa, quiçá a primeira serventia rasgada na muralha, pois já o cruzado R. (também conhecido como Osberno) a ele se referiu na sua carta onde relata a conquista de Lisboa por Afonso Henriques e os cruzados aos mouros. Este Arco também foi vulgarmente conhecido por Postigo da Rua das Canastras, Arco do Armazém Velho ou ainda Arco de São Sebastião.

A partir da artéria anterior nasce 0 Beco do Arco Escuro, topónimo atribuído pelo Edital do Governo Civil de Lisboa de 01/09/1859 ao arruamento com a denominação anterior de Beco do Jardim.

Arco do Rosário era um troço da Rua da Judiaria com início no Largo do Terreiro do Trigo que já aparece assim identificado no Atlas da Carta Topográfica de Lisboa, de 1858, de Filipe Folque. Antes foi a Porta da Judiaria e passou a Arco do Rosário porventura devido a uma capelinha onde se venerava Nª Sª do Rosário, localizada no cimo do arco, mas que entretanto desapareceu. O Arco do Rosário fez parte integrante da antiga cerca moura e foi reaproveitado para ser uma das 34 portas da cerca nova, denominada de D. Fernando. Resta mencionar que o Arco do Rosário teria uma volta completa, de que hoje apenas se vislumbra meia volta, estando a outra meia aparentemente integrada no prédio que a suporta.

Já entre o Poço do Borratém e a Praça Martim Moniz oferece-se a Rua do Arco do Marquês de Alegrete,  referente ao 1º Marquês de Alegrete, proprietário do palácio que ali ergueu  em 1694. E segundo o olisipógrafo Vieira da Silva, o Arco sobre o qual assentavam dois andares unia dois prédios pertencentes à mesma família e foi construído por volta de 1674, por proposta da Câmara para que «se rompesse a Torre das Portas da Mouraria, com um arco que tenha capacidade de passarem coches». Em 1946 o palácio foi demolido para dar lugar ao espaço que hoje conhecemos como Praça Martim Moniz.

Nas freguesias de Santa Maria Maior e Arroios apresenta-se a Rua do Arco da Graça e a Travessa do Arco da Graça em que a Travessa era um troço da Travessa da Palma, até por Edital camarário de 08/06/1889 passar a denominar-se Travessa do Arco da Graça, por referência à Rua do Arco da Graça onde se inicia, a qual por seu turno advirá de uma imagem de Nossa Senhora da Graça colocada no arco em 1657.

Já entre as freguesias de Santa Maria Maior e São Vicente topamos com as Escadinhas do Arco de Dona Rosa, que ligam a Rua dos Remédios ao Largo do Outeirinho da Amendoeira, perpetuando uma Dona Rosa que ali era proprietária de uma casa que tinha uma capela que mais tarde foi transformada em taberna. De acordo com  Norberto de Araújo «Morta D. Rosa (…) seus herdeiros venderam em 1882 o prédio a Francisco Cândido Máximo de Abreu que dos baixos (incluindo a Capela) fez um armazém de linho.» Em 1889, passou a ser taberna explorada por Jerónimo Pedro do Carmo e em 1924 foi vendida a outros proprietários.

Avançando mais pela freguesia de São Vicente, oferece-se o Arco Grande de Cima, desde o Campo de Santa Clara até ao Largo de São Vicente que terá sido o Arco Grande. Norberto de Araújo informa que « Êste Arco foi erguido em 1808, um pouco adiante do sítio onde se rasgava desde 1373-1375 a Porta ou Postigo de S. Vicente, da Cerca (nova) de D. Fernando. Ligava esse Arco o Convento às suas quintas e jardins, e hoje faz ligação ao Liceu (antigos Paços Patriarcais) à cerca-recreio dos alunos e que atrás vimos.»

Escadinhas do Arco de Dona Rosa em 1962 (Foto: Armando Serôdio, Arquivo Municipal de Lisboa)

Escadinhas do Arco de Dona Rosa em 1962
(Foto: Armando Serôdio, Arquivo Municipal de Lisboa)