Rua Ribeiro Sanches – Freguesia da Estrela
Ribeiro Sanches (1699- 1783), Dom Luís da Cunha (1662 – 1749) e Alexandre de Gusmão (1695 – 1753), todos os três estrangeirados do tempo de D. João V, fizeram duras críticas à Inquisição em Portugal e todos os três foram homenageados em ruas de Lisboa, em 1913, 1979 e 1990.
É com D. João V que a Inquisição atinge a sua época áurea assim como as críticas ao seu desempenho são cada vez mais intensas, nomeadamente através de Ribeiro Sanches, Luís da Cunha e Alexandre de Gusmão. Com o também estrangeirado Marquês de Pombal, a Inquisição passa a ser igual a qualquer outro tribunal régio, deixando de fazer a censura da imprensa, ao mesmo tempo que se aboliu a distinção entre cristãos-novos e cristãos-velhos. Estas medidas, retiravam toda a importância ao Tribunal do Santo Ofício mesmo que só venha a ser extinto em 1821. Por outro lado, D. João V também promoveu a vinda de estrangeiros a Portugal e as viagens de portugueses ao estrangeiro e o estrangeirado Luís António Verney (1713-1792) com o seu Verdadeiro Método de Estudar (1746) acabou por servir de base à política educativa reformista do marquês de Pombal, bem como a instituição do Colégio dos Nobres (1761) sugerida por Ribeiro Sanches, a reforma dos currículos escolares e o recurso a professores e demais estrangeiros, a par da criação da Academia das Ciências (1779).
Rua Ribeiro Sanches – Freguesia da Estrela
(Planta: Sérgio Dias | NT do DPC )
A Rua Ribeiro Sanches passou a ser o novo topónimo da antiga Rua Nova de S. Francisco de Paula pela publicação do Edital de 30/01/1913, com a legenda «Médico Notável Grande Figura da Ciência». Esta artéria que hoje une a Rua Presidente Arriaga à Travessa do Ferreiro pertence à freguesia da Estrela.
O homenageado António Nunes Ribeiro Sanches (Penamacor/07.03.1699- 14.10.1783/Paris), foi um médico e investigador de enorme reputação europeia, que frequentara Direito em Coimbra e Medicina em Salamanca, onde se formou em 1724. Chegou a exercer medicina em Benavente, Guarda e Amarante, mas teve de abandonar o país devido à perseguição que o Santo Ofício lhe movia por denúncia de um primo. Foi ser médico em Génova, Montpellier, Bordéus e Londres até se fixar em Leiden (Holanda), onde estudou com Hermann Boerhaave, considerado então o maior professor de medicina, que o recomendou para médico militar na Rússia e assim se tornou médico da czarina Ana Ivanovna e da imperatriz Catarina II, para além de conselheiro de Estado, tudo isto no período de 1731 a 1747. Através de correspondência com o Marquês de Pombal, transmitiu as ideias presentes na Europa e foi também a pedido do governante que após o terramoto de 1755 escreveu o Tratado da Conservação da Saúde dos Povos, tendo-lhe também remetido, em 1761, a ideia inovadora de colocar um hospital junto de cada escola de Medicina e em 1763, o Método para aprender e estudar a Medicina . De igual modo, a notícia da expulsão da Companhia de Jesus por Alvará pombalino de 28 de junho de 1759 terá entusiasmado Ribeiro Sanches a redigir Cartas sobre a Educação da Mocidade (1760), defendendo que os privilégios e as imunidades das ordens privilegiadas teriam sido a causa da deturpação dos costumes e má educação, sendo o fidalgo educado para tratar como escravos todos os subalternos, como se as pessoas do povo não fossem proprietárias dos seus corpos e da sua honra e onde se encontra também a primeira manifestação escrita em português contra a cruel escravidão dos negros. Saliente-se ainda que em 1748, ano da execução por garrote de um seu parente em Minas Gerais, a mando da Inquisição, escreveu o libelo Origem da denominação de cristão-novo em Portugal, apanhado histórico e vigoroso safanão na odiosa discriminação que, ao longo de três séculos, permeou não apenas a mentalidade mas também a organização social, a economia e a estrutura política portuguesas, obra que terá exercido grande influência no Testamento Político de Dom Luís da Cunha e na decisão pombalina de esvaziar o Tribunal da Inquisição da sua missão original contra as heresias.
Ribeiro Sanches que se fixou em Paris a partir de 1747, colaborou na Encyclopédie a pedido de D’Alembert e Diderot, pertenceu a diversas academias científicas europeias, distinguiu-se na venereologia, o que lhe granjeou o epíteto de médico dos males de amor, e ainda foi filósofo, pedagogista e historiador. Sendo a sua obra de reflexão política marcada por um acentuado laicismo, tendo como preocupação essencial o combate à Igreja, à intolerância religiosa e à Inquisição, não foi por acaso que a vereação republicana em 1913, latente que era o o conflito da República com a Igreja, substituiu a Rua Nova de S. Francisco de Paula pelo seu nome.
Rua Dom Luís da Cunha – Freguesia de Alvalade
Já em 1979, por Edital de 29 de janeiro, foi a vez de Dom Luís da Cunha dar nome à Rua 4.3 do Novo Bairro das Fonsecas, junto à Avenida General Norton de Matos, na freguesia de Alvalade. O mesmo edital atribuiu também nas proximidades a Rua Mem de Sá, com a legenda «Governador do Brasil Século XVI». Em Lisboa, na Rua Dom Luís da Cunha existe também a Escola Básica Dom Luís da Cunha.
Dom Luís da Cunha ( Lisboa/25.01.1662 – 09.19.1749/Paris) foi um célebre diplomata do tempo de D. João V, enviado extraordinário às cortes de Londres em 1696 onde participou em importantes negociações relacionadas com a intervenção portuguesa na Guerra da Sucessão Espanhola, o acontecimento mais complexo da política internacional daquela época. Também foi embaixador em Madrid e Paris, bem como ministro plenipotenciário de Portugal no congresso de Utreque de 1712 a 1715. Fora antes arcediago da Sé de Évora, desembargador da Relação do Porto, de Lisboa e do Paço, académico da Academia Real de História e galardoado como comendador da Ordem de Cristo. No seu Testamento Político fez uma severa crítica ao Tribunal da Inquisição que apelidava de « insensível e crudelíssima sangria» de portugueses, referindo o peso excessivo do Tribunal e do aparelho eclesiástico bem como a injusta perseguição aos cristãos-novos, forçados a abandonar Portugal e a ver confiscados os seus engenhos no Rio de Janeiro, no que coincidia com as reivindicações do Padre António Vieira cerca de 100 anos antes, contrapondo a ideia de dar aos judeus a possibilidade de viver sua religião como «se pratica entre todas as nações da Europa».
Rua Dom Luís da Cunha – Freguesia de Alvalade
(Planta: Sérgio Dias | NT do DPC )
Por último, Alexandre de Gusmão, Secretário e Conselheiro de D. João V, deu nome à Rua dos Chumecos na Freguesia de Campolide, por Edital municipal de 14/12/1990. Este Edital atribuiu nova toponímia a todo o Bairro da Serafina, em resultado das reclamações da população pela que houvera sido imposta pelo Edital de 28 de dezembro do ano anterior, alegadamente numa política de recuperação da toponímia mais antiga e tradicional de Lisboa. A Comissão Municipal de Toponímia deu razão aos residentes considerando que os topónimos atribuídos anteriormente não tinham qualquer relação histórica com o Bairro da Serafina e encarregou seu vogal Engenheiro Manuel Maia Atayde de mediar com a Junta de Freguesia os novos nomes propostos que foram na sua grande maioria ligados à construção do Aqueduto das Águas Livres. Em resumo, a inicial Rua J, foi oficializada pela edilidade como Rua 21 do Bairro do Alto da Serafina, pelo Edital de 15/03/1950, tendo a Câmara modificado o topónimo numérico para Rua dos Chumecos pelo Edital de 28/12/1989 e face aos protestos dos moradores passou a ser a Rua Alexandre de Gusmão, pelo Edital de 14/12/1990, em resultado das negociações da autarquia com os residentes locais através da Junta de Freguesia.
Rua Alexandre Gusmão – Freguesia de Campolide
Alexandre de Gusmão (Brasil-Santos/17.07.1695 – 31.10.1753/Lisboa), irmão de Bartolomeu de Gusmão e amigo do Cavaleiro de Oliveira, estudou Cânones na Universidade de Coimbra bem como Direito Cível, Romano e Eclesiástico na Universidade de Paris, tendo começado a sua carreira como secretário particular de D. João V (então denominado escrivão da puridade), para em 1731 assumir a Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e em 1734 ficar encarregue dos despachos da Secretaria de Estado para o Brasil, tendo também durante algum tempo sido secretário da embaixada portuguesa na corte de Luís XIV. Assessorou ainda o Conde de Vila Nova de Cerveira nas negociações do Tratado de Madrid, assinado em 1750, nas quais defendeu o princípio do direito romano uti possidetis, o qual ditava que cada soberania tinha direito às terras que efetivamente ocupava, tendo sido este o primeiro acordo a delimitar os domínios coloniais portugueses e espanhóis na América do Sul. Foi ainda tradutor e autor de diatribes contra o despotismo, a superstição e a «fradaria», sendo célebre a sátira estatística dirigida aos cristãos-velhos que se gabavam do sangue rigorosamente limpo da infecção judaica, num claro ataque aos fundamentos racistas da Inquisição.
Rua Alexandre Gusmão – Freguesia de Campolide
(Planta: Sérgio Dias | NT do DPC )