Praça David Leandro da Silva – Freguesia de Marvila
(Foto: Sérgio Dias)
O Poço do Bispo guarda memórias vinícolas que passam desde logo pela Praça David Leandro da Silva, a Rua José Domingos Barreiros e a do seu filho (a Rua Acácio Barreiro), todas na Freguesia de Marvila, bem como as vizinhas Calçada e Travessa da Picheleira, nas freguesias de Marvila e do Beato.
Em 1853 a moléstia das vinhas provocou a decadência das indústrias ligadas à produção de vinho mas a partir da década de 70 do séc. XIX já apareciam sinais de recuperação, notórios no crescimento das tanoarias e armazéns de vinhos no Poço do Bispo, beneficiando agora da inauguração do caminho de ferro em 1856. De 1901 a 1913 apareceram as tanoarias na Rua Capitão Leitão e os armazéns de vinhos de Abel Pereira da Fonseca. Também no Guia de Portugal, de 1924, se pode ler «Do Beato ao Poço do Bispo sucedem-se ininterruptamente os armazéns, tanoarias, depósitos de vinhos, etc. De vez em quando avista-se o rio coalhado de pequenas embarcações.»
A Praça David Leandro da Silva, tem desde logo a Casa José Domingos Barreiros, fundada em 1896, do ramo comercial dos vinhos, por grosso e para exportação, tendo até participado, em 1922 e em 1932, na Exposição Internacional do Rio de Janeiro, com mostra de vinhos tinto, branco, claretes e rosés, e na Feira de Amostras de Produtos Portugueses de Angola e Moçambique. Está também instalada nesta Praça a Sociedade Comercial Abel Pereira da Fonseca, empresa fundada em 1906, que deixando os anteriores armazém de vinhos da Rua do Amorim e, ainda antes, os da Rua da Manutenção, ergueu nesta Praça em 1917, a partir do traço do arqtº Norte Júnior, uns novos que até receberam o cognome de catedral do vinho.
A Praça David Leandro da Silva nasceu do Edital municipal de 09/04/1917, na via pública compreendida entre as Ruas Fernando Palha, Amorim e do Açúcar, a que acrescentou, por Edital de 06/06/1917, as propriedades da Rua do Açúcar com os nºs de polícia 12A,12,13,101,103,105, 63,64 e 65, prestando assim a edilidade homenagem ao comerciante David Leandro da Silva, que tanto contribuiu para o bem social e engrandecimento comercial e industrial do Poço do Bispo.
Sabemos que David Leandro da Silva casou na Freguesia da Sé com Rosa Maria da Silva em 7 de janeiro de 1871 e que teria falecido antes de 14 de setembro de 1895, já que nessa data a sua viúva solicitou à Câmara a abertura de ruas na sua propriedade, sita a sueste da Rua de Vale Formoso de Baixo. No ano seguinte, por escritura de 16 de março, os herdeiros de Ventura Luís de Macedo e David Leandro da Silva doaram ruas à Câmara, no sítio de Vale Formoso. Acresce que uma planta de 1909 indica as canalizações de esgoto mandadas fazer pela Câmara nas estradas de Vale Formoso e Vale Formoso de Cima e uma outra canalização já antes mandada fazer por David Leandro da Silva.
Freguesia de Marvila – Placa Tipo II
(Foto: Sérgio Dias)
Já o arruamento vulgarmente designado por Rua Acácio Barreiros, entre a Rua do Açúcar e a zona da jurisdição do Porto de Lisboa, foi oficializado por Edital de 23/04/1980 como Rua Acácio Barreiro, com a legenda «1900 – 1967». Refere-se a Acácio Domingos Barreiro (Lisboa/10.06.1900 – 30.11.1967/Lisboa), licenciado em Direito e filho do conhecido armazenista de vinhos daquela zona oriental da cidade, José Domingos Barreiros, que continuou o negócio da família. Foi também um dos primeiros administradores do Banco Português do Atlântico e benemérito da zona já que em consequência da morte prematura do seu filho, José Bento Domingos Barreiro então um jovem de 24 anos, num violento acidente de viação, decidiu com a sua mulher e filha – Maria Antónia Barreiro – doar à Misericórdia de Lisboa, os edifícios que possuíam junto ao palácio da Mitra, no Poço do Bispo e aí nasceu o Centro de Saúde e Assistência Doutor José Domingos Barreiro.
Freguesia de Marvila
(Planta: Sérgio Dias)
Nesta incursão pela área vinícola da gastronomia lisboeta acrescem ainda dois topónimos que partilham o seu território entre as Freguesias de Marvila e do Beato, a Calçada da Picheleira e a Travessa da Picheleira, topónimos antigos derivados do sítio da Picheleira, cuja data de fixação se desconhece. Pode-se levantar a hipótese do topónimo Picheleira marcar a existência no local de picheleiros, isto é, fabricantes de pichéis, que eram pequenos vasos, geralmente de estanho, por onde se tirava vinho das pipas ou tonéis, ou se usavam para beber vinho.
E finalmente, mostramos um poema de Carlos Pinhão evocando os vinhos da zona:
Poço do Bispo
Quando o vizinho descobriu/com mágoa/ que era vinho /e não água/o que havia no poço/por secreta ligação/não com o Além/mas com um armazém/da redondeza/rezou um padre-nosso/dessa vez/com certeza/Ou dois/Ou um de três