A Rua Ângela Pinto à volta do Mercado de Arroios

Freguesia de Arroios
(Foto: Sérgio Dias| NT do DPC)

A Rua Ângela Pinto é a rua que encontramos a toda a volta do Mercado de Arroios, desde a publicação do Edital municipal de 12 de março de 1932, assim perpetuando a memória da protagonista da Severa e do Hamlet na toponímia da cidade de Lisboa.

O projeto urbanístico aprovado em sessão de Câmara de 7 de abril de 1928 determinou o futuro da zona contida entre a Praça do Chile e a Alameda Dom Afonso Henriques, tendo a Rua Ângela Pinto sido o topónimo dado à «Circular, em volta do mercado», conforme  regista o Edital, que acolheria obras a partir de 1939 para a construção de um mercado novo, do risco do Arqº Luís Benavente, que foi oficialmente inaugurado em 28 de fevereiro de 1942.

Já o Edital de 12 de março de 1932 consagrou também na mesma zona o empresário teatral Eduardo Brazão (Rua 8), bem como os atores Ferreira da Silva (na antiga Rua nº 7A), Joaquim Costa (Rua Particular), José Ricardo (Rua 7), Lucinda Simões (Rua nº 8A) e Rosa Damasceno (Rua nº 6),  para além de uma Avenida Rey Colaço (Rua 23) que nunca foi executada e foi este conjunto de topónimos que fez com que o sítio ficasse conhecido como Bairro dos Atores.

Ângela Rita Clara de Almeida Pinto (Lisboa/15.11.1869 – 09.03.1925/Lisboa) foi uma atriz que teve como os pontos altos da sua carreira uma magistral interpretação da Severa, na peça homónima de Júlio Dantas, estreada no  Teatro D. Amélia (depois, São Luiz) em 25 de janeiro de 1901, desempenho onde cantava fado, bem como o seu papel em travesti protagonizando Hamlet, em 1910, representação em que usou uns sapatos pretos feitos especialmente com mais 3 centímetros de sola. Ângela Pinto era muito acarinhada pelo público que enchia as plateias dos teatros para a ver.

Nascida no nº 30 da Rua do Arco da Graça, filha de Júlia de Almeida Pinto e de João de Almeida Pinto – músico por vezes contratado pelo São Carlos, jornalista e um dos proprietários de O Contemporâneo, publicação dedicada a assuntos de teatro -, desde a infância privava com redatores do jornal paterno como Gervásio Lobato, Sousa Bastos, Salvador Marques ou Pedro Vidoeira. Ângela frequentou o Colégio da D. Carolina junto à Calçada do Duque e depois um outro na Rua de Betesga, que era pertença de Alberto Bramão, um ensaiador teatral, tendo aprendido a falar bem francês.

Começou por subir à cena em 1885, aos 15 ou 16 anos, numa barraca de feira em Setúbal, na zarzuela em 1 ato Simão, Simões & C.ª. Depois, foi para os Teatros do Porto iniciar a sua carreira profissional e por volta dos  20 anos voltou a Lisboa, onde se estreou no Teatro da Rua dos Condes, no dia 29 de outubro de 1889, na opereta Lobos do Mar, uma tradução do original de  Ramos Carion.  Em 24 de maio de 1890 passa para o  Teatro do Príncipe Real (depois, Apolo) e a 29 de outubro voltou ao Porto, ao Teatro D. Fernando, a convite da Companhia Afonso Taveira & José Ricardo. Aí criou Ravolet, em travesti, na opereta A Bela Perfumista de Offenbach e a 4 de setembro de 1892 regressou ao Teatro da Rua dos Condes para criar a Manuela do Solar dos Barrigas, uma ópera cómica de Gervásio Lobato e D. João da Câmara. Em 1898, fazia parte da Companhia Taveira, então no Teatro da Trindade mas que depois passou ao Teatro do Príncipe Real do Porto, onde nesse mesmo ano protagonizou Ali…à Preta! para, em 1900, estar no alfacinha Teatro do Ginásio, em A Bisbilhoteira de Eduardo Schwalbach e depois no Teatro D. Amélia a protagonizar Lagartixa. Em 1903 passou a integrar o D. Maria II, onde fez a Madalena de Vilhena do Frei Luís de Sousa de Almeida Garrett, ou no ano seguinte, a Mariana do  Amor de Perdição  de Camilo, adaptado por D. João da Câmara, a Gonerill do Rei Lear, numa adaptação de Júlio Dantas e A Mártir, de Adolph d’Ennery, numa tradução de Guiomar Torresão. Ficaram também na memória o seu Compère da revista Corações à Larga (1915) a imitar a figura de Afonso Costa, para além de ter contracenado com Joaquim Costa em Castelos no Ar (1916) de Eduardo Schwalbach. Em 1919, integrou a Companhia do Teatro da Trindade, dirigida por Augusto Pina, para A Exilada(1919) e depois esteve no Teatro de São Carlos. Na sua longa carreira, Ângela tanto interpretou revista como comédia ou drama, tendo pisado os palcos da época no Porto, em Lisboa e no Brasil, em diversas digressões.

Por fim, em 1922, Ângela Pinto ainda entra no cinema, interpretando a criada Juliana na rodagem do filme mudo de O Primo Basílio, de Georges Pallu e da Invicta Film do Porto, estreado no ano seguinte no Condes em Lisboa e no Jardim Passos Manuel do Porto.

Na sua vida pessoal, foi conhecida como muito bondosa e caritativa, bem  como uma das grandes boémias de Lisboa, que amou livremente quem achou por bem, depois de em novinha a terem casado com um homem bastante mais velho de quem fugiu logo no dia do casamento. Fazia banquetes no Restaurante Tavares e ceias no Botequim Magrinho. Sabe-se que manteve um relacionamento com D. Luís do Rego e que viveu os seus  últimos dias com um amigo, no nº 3 da Rua da Emenda, assim como teria 2 netos  referidos numa notícia de 1938 sobre uma homenagem que lhe foi prestada no Retiro da Severa.

Aos 54 anos, Ângela Pinto ficou paralisada de um lado do corpo, em pleno palco do  Teatro Politeama, o que a impediu de trabalhar a partir daí e ainda nesse ano de 1923, foi homenageada pelos seus colegas a 19 de novembro, no Teatro de São Carlos, onde recebeu também as insígnias de Oficial da Ordem de Santiago e a receita desse espetáculo no valor de 32.173$64, que foi depositado na Casa Bancária Pinto & Sotto Mayor, para render juros e lhe permitir levantar uma pensão mensal. Os seus colegas atores também reclamaram ao Parlamento em maio de 1923 que lhe fosse concedida uma pensão mensal vitalícia que acabou fixada em 700 escudos. Faleceu na casa da Rua da Emenda, de onde saiu na carreta dos Bombeiros Voluntários de Campo de Ourique, de que Ângela Pinto era sócia honorária, para a Igreja das Chagas, de onde seguiu o funeral para o Cemitério dos Prazeres, para o jazigo 1500 da Rua 11, pertença da Associação dos Socorros Mútuos Montepio dos Actores Portugueses.

O Teatro Águia de Ouro do Porto também a agraciou com a colocação de uma lápide alusiva, o S.N.I. criou o Prémio Ângela Pinto para os Concursos de Arte Dramática e a 29 de janeiro de 1938, foi-lhe prestada ainda uma homenagem no Retiro da Severa, para além de o seu nome estar fixado também em Ruas da Charneca de Caparica, de Fernão Ferro e de Setúbal.

Freguesia de Arroios
(Planta: Sérgio Dias| NT do DPC)

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